quarta-feira, janeiro 31, 2007

Não adormeças

Não adormeças: o vento ainda no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas mais húmidas e chãs
com que em casa se cozinhavam perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à mingua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu rosto
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres.

Maria do Rosário Pedreira

A casa e os cheiros dos Livros
1ª Ed. Lisboa, Quetzal Editores, 1996

[evva]

segunda-feira, janeiro 29, 2007

domingo, janeiro 28, 2007

Depois de um filme destes

em que a violência crua e dura é quase porno-decorativa (já há muito que não me apetecia sair de um filme ao fim de cinco minutos), só me apetece regressar a Leopoldo María Panero. Ainda não é desta que termino El desencanto, o documentário de Jaime Chávarri sobre a família Panero ('valores mais altos se alevantam'), mas depois de Rambo Di Caprio e de tanta crueldade banalizada...

EL NOI DEL SUCRE

Tengo un idiota dentro de mí, que llora,
que llora y que no sabe, y mira
sólo la luz, la luz que no sabe.
Tengo al niño, al niño bobo, como parado
en Dios, en un dios que no sabe
sino amar y llorar, llorar por las noches
por los niños, por los niños de falo
dulce, y suave de tocar, como la noche.
Tengo a un idiota de pie sobre una plaza
mirando y dejándose mirar, dejándose
violar por el alud de las miradas de otros, y
llorando, llorando frágilmente por la luz.
Tengo a un niño solo entre muchos, as
a beaten dog beneath the hail, bajo la lluvia, bajo
el terror de la lluvia que llora, y llora,
hoy por todos, mientras
el sol se oculta para dejar matar, y viene
a la noche de todos el niño asesino
a llorar de no se sabe por qué, de no saber hacerlo
de no saber sino tan sólo ahora
por qué y cómo matar, bajo la lluvia entera,
con el rostro perdido y el cabello demente
hambrientos, llenos de sed, de ganas
de aire, de soplar globos como antes era, fue
la vida un día antes
de que allí en la alcoba de
los padres perdiéramos la luz.

Last night together (1980)

evva

sábado, janeiro 27, 2007

NÃO

O que se pretende com este referendo não é despenalizar as mulheres que se submetem a uma prática que visa eliminar uma vida que cresce dentro de si, o que, aliás, e correndo o risco de ser atirada à fogueira, deveria ser sempre um crime severamente punido por lei, excepto nos casos previstos pela actual legislação. Dizia eu, e com toda a convicção, o que se espera do resultado da votação de 11 de Fevereiro próximo é liberalizar uma prática que a maioria dos apoiantes do Sim concorda em condenar, como se pode ler num post ali abaixo: «Somos Todos contra o Aborto».

Uma gravidez não é um castigo pelo mau funcionamento de uma metodologia anticoncepcional e, se duma relação sexual, por prazer ou outras vontades, resultar esse milagre que é a vida, que se assuma, então, a responsabilidade de zelar pela gravidez até ao parto. Se conduzo o meu bólide a alta velocidade, pelo puro prazer que ela me dá, e provocar um acidente com a morte de terceiros, devo ou não ser condenada por isso? Ou teremos chegado a um momento civilizacional de puro egoísmo e desresponsabilização?

Como tal, também não me parece que uma gravidez indesejada obrigue forçosamente um pai, uma mãe, ambos, ou cada um por si, a cuidar uma criança. Por que não entregar o bebé para adopção, se tantos casais o desejam e aguardam? O sistema de adopção funciona mal? Então que se invista na sua melhoria, se crie condições às mulheres, adolescentes ou não, para poderem desenvolver sem prejuízo a sua gravidez indesejada e, após o parto, que o recém-nascido seja entregue a quem o deseja, tem vocação e condições para lhe dar uma educação condigna e o afecto que merece. Repito, se este sistema não funciona, é uma total irresponsabilidade e um crime liberalizar a interrupção voluntária da gravidez, inclusive à custa do erário público e do meu trabalho mensalmente tributado. Se pensarmos bem, e ninguém o pode negar, até poderia ser um bom investimento em termos futuros, num país de tão baixa e tão cara taxa de natalidade.

Acredito que a despenalização da IVG, ou liberalização, redundará no aumento da prática abortiva e na bandeira “Não se preocupem em investir em métodos anticoncepcionais, se um momento de prazer resultar numa gravidez indesejada, sempre podem ir ali ao hospital mais próximo e resolver o assunto». Por isso, convictamente e tal como há oito anos atrás, votarei NÃO.

evva

sexta-feira, janeiro 26, 2007

«FINAL

Não foi sem dificuldade que este livro rompeu através dos interstícios do mundo até chegar às tuas mãos, leitor, para aí, como um deserto a abrir noutro deserto, criar uma irradiação simbólica, magnética, onde o branco do papel e o negro das palavras (...) pudessem fundir-se e converter-se nessa outra a que, na enigmática expressão de Sá-Carneiro, a saudade se trava. Como um desses objectos cujo peso, assim que neles pegamos, instantaneamente se divide entre as nossas mãos e a alma, é mesmo de crer que ele esteja já dentro de ti - e algo de mim com ele. Acolhe-o, pois, com benevolência, que, chegada a altura, havemos de arder juntos.»

Luís Miguel Nava
Vulcão (2ª edição, 1995)



evva

quinta-feira, janeiro 25, 2007

O tempo faz e desfaz III

(1933 - 2007)


A morte deste homem, co-autor de um dos livros mais lidos, relidos e anotados cá em casa,



deveria ser motivo de três dias de luto nacional.

evva

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Ah… o Aborto outra vez

A TSF está a realizar diáriamente, a seguir às noticias das 20h, um debate sobre este assunto, mas não sei por quanto tempo.

andré

terça-feira, janeiro 23, 2007

Aos amigos que ficam

O espaço à minha volta é largo, vasto, talvez até mesmo infinito.
Por isso me pergunto sempre porque procuro as mesmas coisas, os mesmos lugares, as mesmas pessoas.
Gosto daquilo que permanece.
Talvez porque também gosto que haja sempre, à minha volta, espaço livre, sem nada.

andré

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Ah… o Aborto

Se tem havido aspecto que me tem agradado nesta campanha do referendo do Aborto, é que as pessoas que defendem o Sim parecem ter abandonado a tradicional atitude de superioridade moral, em prol da acção civica e assim tentar fazer aquilo que os partidários do Não sempre souberam fazer bem: convencer as pessoas a votar na opção que defendem.

Daí que me dá especial prazer escrever este post em reposta à intervenção anterior que, para não variar, insiste em abordar a questão do Aborto de forma panfletária e sensacionalista. Enfim… uma autêntica blasfémia…

Para que não haja dúvidas: Somos Todos contra o Aborto!
Não estamos a defender o direito de matar mas sim o direito de escolher a forma como vivemos. Sim, vivemos. A mãe, o pai, os irmãos e irmãs que já cá estão, e o resto da família.
Só argumenta com a desresponsabilização dos futuros/eventuais pais quem não quer pensar que a venda de preservativos e restantes anticoncepcionais é hoje uma realidade avassaladora, e que precisamente por isso, as pessoas não devem ser castigadas quando eles não funcionam.
Então, afinal em que ficamos? Podemos ou não ter relações sexuais só por prazer? E se a maioria concorda que sim, então porque é que obrigamos as pessoas a criar uma criança se essa não era a sua intenção? Afinal a maternidade e a paternidade são ou não actos de amor consentido e almejado?

Para que continue a não haver dúvidas: Somos Todos a favor dos pais e das mães, da familia com ou sem filhos!
Tal como uma familia que quer mas não consegue ter filhos, triste é aquela que os tem mas não os quis.
A responsabilidade das pessoas é a mesma, quer quando decidem ter como quando decidem não ter filhos. O nosso dever é apoiar a sua educação e garantir que, quando elas não a têm, possam passar a tê-la. A autonomia, e não o individualismo, é o que se procura.
O objectivo é que todos possam pensar pela sua cabeça e formular o seu juízo, sabendo à partida em que é que acreditam.

E se ainda houver dúvidas: Somos pelos pequeninos, pelos bebés, pelos fetos, e pelos embriões.
Creio que quase nenhum de nós fica indiferente à felicidade de uma nova vida, de um novo filho, de uma nova sobrinha, ou de uma neta. Só mesmo quem tem muito medo das pessoas é que pode pensar que alguém que decide abortar não sente amor ou respeito pelo próximo. O facto de haver pessoas que o fazem de forma irresponsável não quer dizer que todos o façam.

A todos que defendem a mesma posição que eu, por favor, escrevam, discutam, convençam. Não pensem que as pessoas vão acreditar em nós porque nos acham mais espertos ou inteligentes. Elas só vão acreditar em nós quando conseguirmos fazer com que os nossos argumentos sejam os mais vistos, os mais discutidos, os mais propagados. E aí, vão pensar neles e, se tudo correr bem (como vai correr), vão votar Sim.


Quanto à amiga Romena, eu também tenho amigas. Alemãs, espanholas, belgas, inglesas, gregas e chinesas.
E todas elas pasmam quando eu lhes digo que no meu país o Aborto é um crime. Sim, Crime!
Esse é o problema.


andré

O tempo faz e desfaz II

Já há alguns dias se previa o inevitável. Valerá a pena continuar a gastar milhares de euros de areia a tentar lutar contra a força das ondas e a adiar por mais alguns micro-segundos de tempo cósmico o avanço inexorável do mar?
Li algures, e corrijam-me se me equivoco, que a autarquia da Nazaré, em colaboração com a Universidade de Aveiro, pensa plantar nas dunas uma série de espécies há muito desaparecidas, a fim de evitar a sua erosão. É uma solução que se aplaude, mas que já não iria a tempo de salvar a praia da Caparica, creio, caso se ali aplicasse a mesma medida. Por que não, então, deixar avançar as ondas e, uns bons metros atrás, investir na fixação do terreno dunar através de uma cuidada e bem planeada medida de reflorestação? Nem que fosse preciso 'deslocalizar' o parque de campismo e todas as construções vizinhas da praia. A destruição dos bares da praia foi apenas um primeiro aviso. Depois não se venham queixar...

evva

domingo, janeiro 21, 2007

O tempo faz e desfaz

Nada tão silencioso como o tempo
no interior do corpo. Porque ele passa
com um rumor nas pedras que nos cobrem,
e pelo sonoro desalinho de algumas árvores
que são os nossos cabelos imaginários.
Até na íris dos olhos o tempo
faz estalar faíscas de luz breve.

Só no interior sem nome do nosso corpo
ou esfera húmida de algum astro
ignoto, numa órbita apartada,
o tempo caladamente persegue
o sangue que se esvai sem som.
Entre o princípio e o fim vem corroer
as vísceras, que ocultamos como a Terra.

Trilam os lábios nossos, à semelhança
das musicais manhãs dos pássaros.
Mesmo os ouvidos cantam até à noite
ouvindo o amor de cada dia.
A pele escorre pelo corpo, com o seu correr
de água, e as lágrimas da angústia
são estridentes quando buscam o eco.

Mas nós sentimos dentro do coração que somos
filhos dilectos do tempo e que, se hoje amamos,
foi depois de termos amado ontem.
O tempo é silencioso e enigmático
imerso no denso calor do ventre.
Guardado no silêncio mais espesso,
o tempo faz e desfaz a vida.

Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

[evva]

EIS A GRANDE QUESTÃO

Pelo Blasfemo JoãoMiranda:

A desresponsabilização da mãe/pai por uma gravidez decorrente de relações sexuais voluntárias é frequentemente justificada pela falibilidade dos métodos anticocepcionais. O que mostra duas coisas. Por um lado mostra o estado em que se encontra a responsabilidade individual. As pessoas não são responsáveis pelos seus actos nem têm que assumir os riscos das opções que tomam. A responsabilidade pelos riscos recai no anticoncepcional que falhou. Por outro lado, mostra que o aborto é visto por muitos dos defensores da despenalização como um sistema anticoncepcional complementar que visa colmatar as falhas dos sistemas anticoncepcionais comuns.

JoaoMiranda»


Uma amiga romena, com quem tenho tido o prazer de trabalhar nos últimos anos, ao ter conhecimento deste referendo extravagante, exclamou: «É um grande erro. Na Roménia, desde que foi aprovada a despenalização, há mulheres que chegam a fazer três abortos por ano».


evva

sábado, janeiro 20, 2007

ARS MAGNA








Qué es la magia, preguntas
en una habitación a oscuras.
Qué es la nada, preguntas,
saliendo de la habitación.
Y qué es un hombre saliendo de la nada
y volviendo solo a la habitación.


Leopoldo Maria Panero

Poesía 1970 - 1985

[evva]

domingo, janeiro 14, 2007

Um Domingo a caminho da perfeição


seria dedicá-lo por inteiro a perscrutar o labor destes senhores no silêncio dos tempos. A ver vamos. Já tinha saudades de um Domingo assim.


evva

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Que farei, velidas?


Ai cervas do monte, vin vos preguntar:
foi-s' o meu amig' e, se alá tardar,
que farei, velidas?

Ai cervas do monte, vin vo-lo dizer:
foi-s' o meu amig' e querria saber
que farei, velidas.

Pero Meogo

[evva]

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Aos amigos que partem


Azuis os montes que estão longe param.
De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
Débil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrúpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego,
filho Ignorado do Caos e da Noite
Às férias em que existo.

Ricardo Reis

[evva]

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Semana Passada

Depois de se ter transformado na RFM com notícias, é bom saber que a TSF ainda mantém vivo o desejo original de criar momentos de beleza e requinte onde a palavra, bem tratada, se junta à manta de possibilidades sonoras que a rádio tem desde há muito mas que poucos, infelizmente, exploram.
É assim a Semana Passada, de Fernando Alves e Alexandrina Guerreiro, que passa aos sábados pelas 12h30, ou num dia qualquer, através do PODCAST.
Das tradições mais remotas do nosso país aos grandes problemas do nosso planeta, tudo cabe em cerca de 45 minutos de rádio, bem falada e ouvida.

É bom saber que ainda há coisas assim.

andré