Convém esclarecer de antemão que sou particularmente avessa a todas as jornadas pseudo-celebrativas, do não fumador, dos avós, do animalzinho de estimação (quando vivi em França lembro-me de haver um dia destes), etc, e irrita-me particularmente a que hoje se celebra.
Há uns anos trabalhei no Alentejo, num daqueles munícipios sempre pronto a gastar rios de dinheiro nestes folclores e a poupar em infrastruturas essenciais. Começou logo em Setembro, com a oferta de um mega-jantar à comunidade educativa no pavilhão gimnodesportivo, para celebrar a abertura do ano lectivo. Largas e largas dezenas a auferir gratuitamente de respasto com entradas diversas, dois pratos, bons vinhos e sobremesas variadas, tudo à discrição, com música ao vivo e bailarico a condizer. Lembro-me de a cada passo ouvir o tilintar de uma caixa registadora na minha cabeça, atónita com tamanho despesismo. Nenhum de nós, registe-se, se teria importado de pagar pelo jantar.
Seguiram-se inúmeros espectáculos, todos de borla, como manda a tradição da pseudo-igualdade de direitos e oportunidades em terras alentejanas. Teatro, bailado, as mais prestigiadas companhias nacionais, concertos, marionetas, todos de impoluta qualidade. Pérolas a porcos, perdoem-me. Num dos muitos concertos a que assisti no tal pavilhão gimonodesportivo, lembro-me de uma noite em que os belle chase hotel tocaram para uma plateia cheia mas absolutamente desinteressada de tudo o que se passava em palco. A certa altura, a conversa e o entra-e-sai da assistência eram de tal ordem que mal se conseguia ouvir a banda e eu contava-me entre os 0,00001% que tentava responder às solicitações do vocalista, dançar ao ritmo das músicas ou cantar os refrões. Para os restantes, o concerto passou ao lado. Seria possível tal desrespeito se cada uma das pessoas que assistiu ao concerto tivesse desembolsado dois ou três euritos, ou mais?
Não é distribuindo gratuitamente cultura pelo povo que se formam gerações instruídas, com gosto pela arte e sensibilidade para os eventos culturais, já se sabe. É investindo na sua formação, fornecendos-lhe, com rigor, as ferramentas e os conteúdos indispensáveis para que saibam apreciar e criar. Nunca de forma lúdica, ou gratuita, mas insistindo sempre para que prestem provas exigentes, invistam em si próprios e no seu trabalho e apenas por esse esforço sejam recompensados. Só quem está fora do sistema educativo desconhece as enormes pressões a que são sujeitos os professores para transitar de ano os alunos que nada fazem para incrementar artificialmente as taxas de sucesso, e não falo apenas do ensino básico obrigatório.
E eis que somos chegados ao dia 8 de Março. Sem surpresas, a tal edilidade alentejana mandou distribuir pelas mulheres do concelho milhares e milhares de flores (bem tratadas com químicos de florista, não daquelas que pintam intensamente a planície alentejana por esta altura, as minhas preferidas), acompanhadas de um convite para mega-jantar no pavilhão gimnodesportivo. Claro que, na escola, logo se combinaram romagens ao banquete. Vinte minutos antes da hora marcada, saio de casa e dirijo-me ao recinto. A 200 metros de distância já se ouvia o cacarejar. Indescritível. Centenas de mulheres acumulavam-se ruidosamente nas ruas limítrofes do pavilhão, novas, velhas, casadas, viúvas, solteiras ou nem por isso, saltitavam, abraçavam-se, gritavam como nunca nos braços de maridos e amantes. Mal nos avistámos, as minhas amigas e eu entreolhámo-nos com a expressão 'Help! Tirem-nos daqui!' a empalidecer-nos o rosto e decidimos juntarmo-nos aos homens que jantavam em desagravo no ponto de encontro do costume. Foi um dos melhores jantares de 8 de Março que já tive, celebrado com homens, amigos e amigas do peito.
Mulheres! Deixem-se de lamúrias feministas e carpideiras esquizofrénicas. A melhor maneira de celebrar este dia, e todos os que nos sobejam, é junto deles, rindo com eles, gritando com eles e por eles. Tudo o resto, a tal igualdade e liberdade, virá por acréscimo, pelo nosso empenhamento único e incansável no amor, na verdade e na vida. Bem hajam.
evva