sábado, outubro 13, 2007

Soneto dos 45 anos

por Fernando Pinto do Amaral. Mas que retrata com fidelidade os meus 35:

Que soubeste fazer da tua vida
depois de tantos anos à procura
do que chamavas terra prometida
no meio da floresta mais escura?

Por que deste consolo a essa ferida
que ainda continua a arder sem cura
se do teu coração não há saída
e o tempo te devora em lenta usura?

O que te ensina hoje cada dia
se já pouco te dói como doía
e tudo se transforma em quase nada?

Apenas o amor, que será só
memória de quem és, do pó ao pó
- cinza talvez, mas cinza apaixonada.

A Luz da Madrugada, Dom Quixote.

3 comentários:

Anónimo disse...

O último terceto é uma paráfrase de um belíssimo soneto do Gôngora- Gôngora é, evidentemente, melhor. Siglo de Oro só houve um...

Esplendor disse...

Já agora, não custava enviar o original, para podermos aferir da justeza da sua apreciação

evva

Anónimo disse...

Cerrar podrá mis ojos la postrera
sombra que me llevare el blanco día,
y podrá desatar esta alma mía
hora a su afán ansioso lisonjera;

mas no, de esotra parte, en la ribera,
dejará la memoria, en donde ardía:
nadar sabe mi llama la agua fría,
y perder el respeto a ley severa.

Alma a quien todo un dios prisión ha sido,
venas que humor a tanto fuego han dado,
medulas que han gloriosamente ardido:

su cuerpo dejará, no su cuidado;
serán ceniza, mas tendrá sentido;
polvo serán, mas polvo enamorado.


(P.S: O soneto é de Quevedo. Quando cito de cor, ele e Gongora confundem-se frequentemente na minha memória. Em todo o caso, Siglo de Oro)