Para ler, reler e meditar
«Assim é fácil.
O mail do leitor Luís Varela coloca um problema sobre a língua, a correcção gramatical e a incorporação de novas expressões e léxico. Seria bom que se reflectisse sobre o assunto. Estará certo incorporar expressões como «tu dissestes» ou «tu fizestes» apenas porque elas são escutadas e popularizadas? Nos anos oitenta as faculdades retomaram a «linguística da oralidade» contra a «escrita», o que desvalorizou a ideia de «norma» e a abriu ao «linguajar registado»; ou seja, se se registam expressões como essas, o que nos permite dizer que estão erradas? É uma democracia da barbaridade, mas é necessário discutir o assunto. Outro caso é a expressão «bué», por exemplo, incluída no Dicionário da Academia. Trata-se de um modismo que, aliás, caiu em desuso actualmente; mas a vontade de ser «moderninho» e «actualizado» levou à sua inclusão no Dicionário da Academia. O problema é que um dia destes haverá, nos dicionários, entradas que apenas foram popularizadas pelo Gato Fedorento, que as ridiculariza, ou pela Ana Malhoa, que as utiliza com grande alegria. Assim é fácil.»
É um assunto que há muito me preocupa. Concordo que certos vocábulos do registo calão ou gíria integrem os dicionários (como seria mais fácil ler e entender o passado se os dicionários antigos os integrassem... Relembro a este propósito a polémica em torno do verdadeiro significado da expressão 'une saison en enfer', de Rimbaud). Mas aceitar como norma línguística certas expressões só porque os falantes as utilizam quotidianamente encerra o perigo de demoronamento da língua, pela relativização das regras que a estruturam. Numa escola onde leccionei, uma colega com responsabilidades na biblioteca dizia sempre 'parteleira' por 'prateleira'. À luz dos pressupostas da nova 'Gramática da Língua Portuguesa' este registo até poderia ser aceite.
evva
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