O concerto de Lisboa, por Pedro Mexia:
Os concertos de Cat Power são sempre happenings emocionais. Quer as coisas corram mal (como no seu primeiro concerto português) quer corram bem (como no segundo), a intensidade está garantida. Não pude estar presente na sua estreia portuguesa, a tal que descambou numas fitas alcoólicas. Na altura do segundo espectáculo (triunfal) estava eu em prisão domiciliária e também não fui. Ontem, no Coliseu esgotado, vi finalmente a georgiana da franjinha, e nem sei que vos diga. Foi muito bom, embora tenha sido fraquinho. Explico: a rapariga estava nervosa, a voz cansada, os gestos desconexos, os movimentos erráticos. Há notas que ela dá nos discos e que ao vivo nem tentou. Não faltava entrega, mas faltava segurança, e várias vezes ela pediu desculpa, ou conversou com os técnicos ou cirandou indecisa. Cat Power teve a ingrata tarefa de apresentar um disco de covers (Jukebox, 2008), mas felizmente tem uma banda bestial (Dirty Delta Blues Band) que vai de Billie Holliday a Jagger, e de Otis Reading a Sinatra, com grande brio e bravura. Ela passarinhava pelo palco, às vezes cantava a meia voz, outras vezes tentava uma descontracção jazzística, outras ainda apostava numa tensão emotiva e gingante muito seventies. O concerto ia vogando entre medíocre e médio, com visitas a The Greatest (2006) pontuais arrancanços. O mais consistente foi «Metal Heart» (álbum Moon Pix, 1998), uma descarga de energia pulsional capaz de desfazer as pedras da calçada. O mais estranho foi o final do concerto, já não um momento musical mas uma catarse colectiva, com a mais longa saída de palco a que já assisti (e sem encores). Cat Power tinha vindo contorcer-se e condoer-se no meio da plateia, e o público apoteótico ficou asism até ao fim, todos em pé e ela dando mais uns passinhos e agradecendo mais uns segundos, mais uns minutos, recebendo flores, aos saltos teatrais, vénias e salamaleques, os aplausos não acabavam e a banda já estava no duche e as luzes já estavam acesas, e já se ouvia a música de debandada e ela ainda ali a agradecer, a agradecer, as pessoas entusiasmadas porque ela não saía do palco, ela que não saía do palco porque as pessoas estavam entusiasmadas, estranha rapariga de feições estranhamente belas e vincadas, que agradecia mais e mais, essa rapariga de quem gostamos porque sofreu, de quem gostamos porque se engana e pede desculpa, de quem gostamos e que aplaudimos porque teve a coragem da sua fragilidade.
[evva]
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