domingo, outubro 19, 2008

A propósito de conflitos entre civilizações

Antes de iniciar este post gostaria de chamar a atenção para a coluna do jornalista Jorge Almeida Fernandes, no suplemento P2 do Público de ontem (domingo). Sempre que posso leio os seus comentários regulares sobre política internacional que me parecem sólidos, lúcidos, e equilibrados. As crónicas nem sempre aparecem no mesmo dia da semana, e aparecem ora no P2 ora no caderno principal. Esta semana, o último parágrafo reza assim: "tanto na história e na memória, é perigoso reescrever o passado à luz dos interesses políticos de hoje". Recomendo vivamente a leitura do artigo completo.

Mas o que vem a propósito são as afirmações de Eduardo Lourenço numa entrevista ao Público e à RR publicada no dia 5 de Outubro. O título utilizado na primeira página do jornal foi: Eduardo Lourenço "as guerras de civilizações existem". Na edição de ontem, numa coluna de opinião do mesmo jornal, Faranaz Keshavjee, "estudiosa de temas islâmicos" (sic), questiona-se sobre "se devemos considerar Eduardo Lourenço um pensador da actualidade, ou um pensador medieval, ou sequer um pensador." Há uns dias atrás já tinha sentido o impacto destas declarações através de um amigo que me tinha expresso a sua incredibilidade com tal discurso.

Estou ciente da tensão que o termo "guerra de civilizações" tem gerado, sobretudo depois do livro de Samuel Huntington "Clash of Civilizations". Mas numa primeira análise pareceu-me que o termo tinha sido utilizado com o objectivo de entender as diferenças entre culturas para depois solucionar problemas, e não com o objectivo de posicionar uma cultura em relação a outra. Contudo, e porque muitas vezes leio as coisas a correr, achei melhor ler a entrevista outra vez pra ver o que estava por de trás de tamanha insurgência.

Ora, após nova leitura, tenho que dar a mão à palmatória pois as declarações denotam uma posição Eurocêntrica e parecem por vezes um pouco displicentes para uma pessoa de tal gabarito. Vejamos: "a China, embora seja essa nação-continente absolutamente extraordinária com os seus quatro mil anos de existência, imóvel mesmo quando evolui, a verdade é que soube ir apropriando-se dos meios que os europeus lhe levaram."
Quer isto dizer que os árabes nunca se apropriaram daquilo os europeus lhes levaram? E que dizer aquilo que os países Europeus apropriaram da cultura árabe? E da cultura chinesa?

Sinceramente... Pensar assim revela alguma pobreza. E a mim causa-me muita tristeza porque continuo a achar que Eduardo Lourenço é das pessoas que melhor tem pensado sobre a cultura portuguesa e porque me habituei a ouvir dele coisas bastante estimulantes. Mas enfim... um gajo não pode pensar bem em tudo.
Continuo a dizer que o momento presente é único na história da humanidade. Nunca as culturas do mundo, ou seja as pessoas delas fazem parte, tiveram tanta noção da sua diferença em relação às restantes. Nunca as suas vozes se fizeram ouvir com tanta força e por tantos lados do mundo.

É uma situação que pode gerar alguma tensão, devido à multiplicadade de entendimentos sobre a importância ou a relevância que as culturas têm. Pode também gerar alguma confusão, já que é bastante dificil encontrar entendimentos generalizados sobre uma determinada cultura.
Mas afinal, a cultura é como uma roupa. Ao fim de algum tempo de vida, cada um acabará por vestir a que quer. E essa liberdade só pode ser boa.

Com todo o respeito e admiração que me merece, caro Eduardo Lourenço, peço-lhe o favor de deixar de assustar o pessoal. É que o seu pessimismo sobre a cultura Portuguesa talvez não seja tanto o resultado de um análise mas sim da herança cultural que você mesmo carrega. Logo, é possível que não consiga deixar de ser pessimista sobre o estado do mundo, situação que, há de concordar, é um bocadinho perigosa dado o actual estado das coisas. Muito obrigado pela sua atenção.


andré

2 comentários:

Esplendor disse...

Um comentário oportuno - o teu, claro...
E até que enfim voltamos à carga com os textos a que nos tinhas habituado!
Continua!

Sónia

Esplendor disse...

Tambem li a mesma entrevista a que te referes e fiquei surpreendida com as palavras que ele usou. ha demasiadas europas e demasiados islaos para ser possivel coloca-los assim, frente a frente como dois inimigos.

Joana