sábado, janeiro 31, 2009

Liberdade de expressão III

Um comentário a um "post" anterior motivou o regresso a este tema. Parecerá talvez desproporcionado ou ingénuo da minha parte fazer coincidir uma ideia tão grande (a liberdade de expressão) com a defesa de postos de trabalho perante a ameaça da concentração de dois jornais diários sob a propriedade de um mesmo grupo económico. Talvez...
Mas continuo a achar que não é despropositado; pelo contrário acho que cada vez mais importa denunciar que a privatização da comunicação social não é necessariamente favorecedora da sua insenção (se é que a isenção é necessariamente uma vantagem ou sequer possível...) ou sequer favorecedora da liberdade de opinião dos profissionais do sector. Os grupos económicos sustentam interesses particulares e quanto mais precária for a situação laboral de um jornalista, mais frágil será a sua liberdade.
Esta questão vem sendo focada pelo Sindicato dos Jornalistas em diversas tomadas de posição. De entre estas, destaco uma Recomendação do Conselho Deontológico do referido Sindicato, emitida em resposta a tentativas de condicionamento dos jornalistas e da qual passo a citar um fragmento que considero significativo a esta luz:

"Num tempo em que se anunciam dezenas de despedimentos de jornalistas e em que muitas outras centenas exercem a profissão em extrema precariedade é forçoso que se reiterem os princípios deontológicos e se concite ao reforço da solidariedade profissional."


Sónia

3 comentários:

João Sá disse...

A "liberdade de expressão" é feita de pequenas coisas, assim, a tentativa de medir a dimensão é uma mera virtualidade. Aliás, respondes bem a ti própria estabelecendo a relação entre precariedade laboral e a fragilidade da liberdade individual (a pirâmide de Maslow, apesar de redutora e ultrapassada em alguns aspectos, ilustra bem isso.).

Voltando ao concreto, o caso do DN e do JN, eles fizeram escolhas... Como todos bem sabemos, é aí que se exerce a liberdade - individual e colectiva - e cada escolha tem consequências. Obviamente que sou sensível à situação dos trabalhadores (jornalistas e não só), mas que dizer de todas as empresas que fecham e onde os trabalhadores não têm a mínima consciência das escolhas que levaram à situação em que se encontram? Estarão os jornalistas nas mesma situação? Seria muita ingenuidade para um jornalista! Será que a maior parte dos trabalhadores, de tantas e tantas empresas, alguma vez pensaram nas escolhas que determinam as suas vidas (muitas vezes não divulgadas, ou até escondidas) feitas por administrações, políticos, patrões, e até colegas? (Cuidado com as generalizações)
Quantos e quantos trabalhadores (milhares despedidos nas últimas semanas) nunca souberem, porque não quiseram ou puderam, o significado de palavras como liberdade, mercado, democracia, direitos, ...?

Acho que a isenção jornalística não é possível. O jornalismo é uma actividade humana... Mas não é por isso que não deve ser perseguida (a isenção). Excepção feita ao jornalismo assumidamente ligado a determinada orientação [política ou outra]. Só exijo três coisas (a uns e a outros): honestidade, seriedade e transparência.

Sónia Duarte disse...

Fazes bem, João, em trazer à luz a situação de outros trabalhadores e o recente (e escandaloso) aumento do número de desempregados. Não chego a perceber bem em que medida afastas uma situação (a dos trabalhadores em geral) da outra (a dos jornalistas), mas concordo (se é que é isso que queres dizer) que talvez a questão da escolha não seja determinante para determinação da situação de injustiça e de limitação de liberdade.
Subscrevo totalmente o que dizes sobre a isenção jornalística: sem tirar nem pôr!
Já agora...alguém se anima a discutir como a precariedade laboral afecta a liberdade de cátedra (e não só...) na profissão docente e como o conceito de isenção (relativamente a valores, entenda-se...) deve (ou não) pautar a conduta de um professor?

João Sá disse...

Com a distinção entre situação dos trabalhadores em geral face à situação dos jornalistas queria apenas dizer que os jornalistas são , por imposição da profissão, pessoas informadas e atentas à realidade. Junta-se a isso uma formação superior que, não sendo determinante, é tendencialmente propiciadora de ferramentas intelectuais que outros profissionais não têm. Por isso, parece-me que têm maior responsabilidade e possibilidade, face a alguns outros trabalhadores, de fazer por intervir nas escolhas e decisões que determinam o rumo da sua carreira, quer individualmente quer no âmbito dos grupos com/para os quais trabalham. No entanto não me apercebo que isso aconteça. Talvez o exemplo do Wouter, noutro post, ajude a explicar esse fenómeno - "um successo numa profissão dita individualista".
Por outro lado, não estou a afirmar que a culpa da situação a que chegaram seja dos jornalistas. Claro que não é - sofrerão com a precariedade e com o desemprego como qualquer outro trabalhador. Só me parece que a poderiam ter antecipado e talvez minimizado.

Quanto ao outro assunto, parece-me que precariedade laboral afecta qualquer trabalho. Naturalmente que afectará muito mais aqueles trabalhos que não são "mecânicos". É mais fácil fazer com que um ferreiro "dê mais marteladas no ferro" com umas "chicotadas" do que fazer com que um professor "ensine melhor" complicando-lhe a vida! Numa e noutra situação a liberdade é essencial. Um trabalhador é um ser humano. E um ser humano quer-se livre...
Não caiamos é em exageros ou em interpretações abusivas. Sempre considerei que a quase ilimitada segurança laboral que muitos têm tido era contraproducente. Isso via-se muito na "função pública". Hoje, estamos a caminhar para o oposto. Estamos praticamente num cenário de opressão laboral. Acho que ambas as situações são negativas. Para mim, a palavra mágica, aqui como eu muitas outras coisas, continua a ser equilíbrio.

Ninguém é isento de valores. Isso é a maior falácia que se pode ter. Ser humano é ser valores. Até nos mais pequenos gestos ou na forma de andar. O que eu acho é que existem valores que são essenciais para um professor. Entre eles a tolerância e a capacidade de aceitar a diferença. Isso é essencial para não procurar (ilusoriamente) anular os próprios valores nem os valores dos alunos.