quinta-feira, novembro 02, 2006

Os pontos nos ii

Vasco Graça Moura, no DN de ontem, a alertar mais uma vez para a gravidade da 'linguisticização' do ensino da Língua Portuguesa e citando dois excelentes artigos de Maria Alzira Seixo e Maria do Carmo Vieira. Sublinhados meus:

«A sublimação

Há perto de um ano, abordei nesta coluna a questão da nova terminologia linguística para os ensinos básico e secundário (TLEBS). Agora, com a serenidade olímpica e a autoridade incontestável que lhe vem do muito saber académico, de uma longa experiência cultural e pedagógica e de um bom senso elementar, Maria Alzira Seixo, numa síntese fundamental, "A TLEBS e a educação" (Visão, 26.10.2006), põe em evidência como certos sectores da Linguística em Portugal (talvez, digo eu, por qualquer descompensação da ordem do freudiano...) se estão solenemente nas tintas para a Literatura e para o papel essencial que esta deveria ter no ensino e na aprendizagem da língua portuguesa.
Demonstra que nunca é inocente a substituição de uma terminologia gramatical por outra e anota não ser cientificamente consensual, nem isenta de muitas incoerências, a orientação universitária que foi imposta através da TLEBS e que não deveria, portanto, ter sido considerada "representativa para uma orientação ministerial".
Sublinha que nem a Gramática nem a Língua são feudo exclusivo da Linguística e estão também indissoluvelmente ligadas à Literatura e à Filosofia.
Exprime o receio, mais do que fundamentado, de que o pensamento subjacente à TLEBS não favoreça a qualificação educativa.
Denuncia o autismo teórico das concepções subjacentes à TLEBS e os "raciocínios tecnicistas e funcionais, com uma óptica exclusivista e auto-suficiente que, não dialogando com áreas centrais do pensamento humanístico, estreita a compreensão gramatical".
Aponta o lado abstruso, aberrante e incompreensível de muitos aspectos da terminologia em questão, bem como os equívocos a que isso dará lugar, tanto no plano da docência como no da discência.
E observa: "Não é por serem diferentes que as designações são inovadoras ou adequadas; Rodrigues Lapa mostrou há décadas, relacionando linguística e literatura, que a estilística da língua matiza as categorias gramaticais e a actualiza em alterações da norma praticadas por escritores que criam valores que a categoria não contém e é a literatura que vai fixando".
A rematar, uma evidência clamorosa: "Ninguém pode obrigar um professor a ensinar mal".

Também Maria do Carmo Vieira publicou um excelente artigo, "O regresso da polémica", no JL de 25.10.2006, em que, depois de uma breve resenha da tragicomédia do ensino da Gramática, dá uma série de exemplos de pôr os cabelos em pé.
Entre outros, há pronomes indefinidos que dão agora pelos nomes sorumbáticos de "quantificadores indefinidos", "quantificadores universais" e "quantificadores relativos". Nos advérbios, encontramos coisas alucinantes como "advérbios disjuntos avaliativos", "advérbios disjuntos modais", "advérbios disjuntos reforçadores da verdade da asserção" e "advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção". O sujeito indefinido passa a ser o luminoso "sujeito nulo expletivo". O "aposto ou continuado" chama-se bombasticamente "modificador do nome apositivo", podendo ser do tipo "nominal", "adjectival", "proposicional" ou "frásico"...

Isto posto, o que é que leva a ministra da Educação a aceitar um conjunto de enormidades deste tipo e a desatender as muitas objecções que, sem dúvida, lhe chegaram da parte de inúmeros professores?
Quem são os responsáveis que, no seu ministério, se vêm enfeudando a estas aberrações, conseguindo fazê-las consagrar na lei, com os resultados desastrosos que todos conhecem? Não lhes acontece nada? Ninguém pensa em pô-los na rua?
Não se vê que a avaliação dos professores, face ao novo estatuto, se vai tornar absolutamente impraticável nesta matéria? Nem que o ensino se vai degradar ainda mais?
Será isto uma política da Educação? Será assim que a cooperação com os outros países de língua portuguesa vai ser mais eficaz, no tocante ao ensino e promoção da língua comum?
Não há um deputado à Assembleia da República para interpelar o Governo, uma associação de pais para protestar com energia, uma associação de professores para se recusar terminantemente a pôr em prática esta pepineira?
Assim como a sublimação implica a passagem do estado sólido ao estado gasoso, sem passar pelo intermédio, temos agora este trânsito da ignorância geral à embrulhada específica, sem se passar pelo estado intermédio e necessário de um ensino razoável e sensato.
Por alguma razão a palavra "gás" deriva de kaos. Esse será o resultado deprimente do ensino gasoso que a TLEBS nos prepara.»

evva

5 comentários:

Esplendor disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Esplendor disse...

Tava a ver que estavas adormecida tal qual a menina daquela história antiga.
Vá lá que não foi preciso nenhum príncipe.
Ou foi?…

andré

Esplendor disse...

E a propósito do VGM, ouvi anteontem a entrevista que ele deu ao Pessoal e Transmissível e gostei muito.
As pessoas interessantes são como Deus, estão em toda a parte.

andré

Anónimo disse...

Vasco Graça Moura, como é habitual, comenta, mas não argumenta; adjectiva, mas não qualifica. E assim vai conquistando seguidores e adeptos. É curioso o facto de ter descido ao ponto de recrutar para os seus argumentos alguém tão desconexo como essa Maria do Carmo Vieira, a quem é dada tanta importância pelos escarcéus que arma.
É importante perceber o que é a TLEBS, antes de desatar a comentar.
Recomendo o site do Ciberdúvidas, que tem lá um debate da Antena 1 em que dois linguistas (João Costa e Inês Duarte) intervêm de forma clara sobre isto. A mim, ajudou-me a compreender.

Anónimo disse...

E que tal ter um conhecimento mais "aprofundado" da TLEBS, através dos materiais disponibilizados pelo ME através do sítio da DGIDC?
Vejam um incrível exemplo retirado do endereço:
http/www.dgidc.minedu.pt/ TLEBS/CDMateriaisDidacticos/ trabalhos/90_Lusiadas _3C.ppt

Não percam! É surrealista!