sábado, março 03, 2007

Colheita de 2 de Março


Tenho o vício caro de não conseguir resistir a livrarias, alfarrábios, feiras do livro novo, do livro velho, do livro raro, do livro usado... Ontem, aproveitando a hora de almoço para abastecer a despensa numa grande superfície cá do burgo, mal tinha percorrido uns míseros metros de carro ainda vazio quando paralisei diante de uma pilha que apregoava sem qualquer erro ortográfico "LIVROS EM SALDO'. Lá me pus a demandar o Graal por entre resmas de inanidades e eis que, qual limpa-vias no subway perante o arroz do céu, mal pude conter um grito quando vi as Variações em Sousa do velho Pacheco, edição 2004 da Angelus Novus - Cotovia, por cinco euros.


Aqui fica Canção do Ano 86, Fernando Assis Pacheco na sua melhor auto-ironia:


Agora quando volto
quando é raro voltar e sempre por um dia
estou à minha espera na ponte de Santa Clara
com um ramo de rosas que levanto
à aproximação do carro
saudando-te caro Fernando Assis Pacheco
filho pródigo destes quintais floridos

quando acontece que volto
que assim volto por pouquíssimo tempo dou comigo
na berma da EN1 a olhar à esquerda o Vale do Inferno
hoje estragado por um sacana qualquer dum engenheiro
dizendo adeus adeus Fernando Assis Pacheco
menino antigamente sem cuidado

se é que volto intimado pela agenda
do jornal em Condeixa já inquieto espreito
a ver se vens dos lados de Pombal
oitavo duma fila atrás dum camião
coçando a barba gesto bem teu
com que disfarças o nervoso e a pressa

volto sem querer quando decerto
mais não queria voltar
encasacado anónimo de olho circunvago
Leiria num relance prego no fundo
apetecia parar ao pé de ti Fernendo Assis Pacheco
cálido aceno do que morreu
conversarmos os dois sobre esse século esses
cafés com quatro mesas e matraquilhos na cave a
cheirar a bolor
essas aulas a que faltávamos no último período para
empatar cinco a cinco com os varões todos torcidos

consta que desde então
não fazes mais do que perder

[evva]


P.S.: Curiosamente, também lá estava o segundo livro que conheci da Ilse Losa, Na Quinta das Cerejeiras, requisitado na biblioteca do colégio, mas que nunca conseguiu suplantar a devoção pela Flor Azul, para sempre no patamar dos patamares da minha infância.
Abandonei o recinto em plena euforia e sem mercearia.

2 comentários:

Esplendor disse...

Ora… se bem me lembro…
…eu já disse que queria que me emprestasses este livro, não disse?

andré

Esplendor disse...

É excelente, acredita. Pode ser que o consiga reservar para ti na Páscoa, se vir um palmo à frente do nariz :(...

evva