domingo, junho 04, 2006

Serviço Público

Um muito sincero Obrigada a O Jumento por publicar on-line as crónicas de Vasco Pulido Valente no Público:

«O ETERNO RETORNO

Com eterno retorno, em que se tornou a vida portuguesa, volta a leitura, desta vez com um "plano". Pôr a criançada a ler e o público em geral. Muito bem. A ler o quê? Os "clássicos", dizem. Mas que espécie de "clássicos"? Gil Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Camilo, Eça, Oliveira Martins, Cesário, Pessoa? Infelizmente, não há "clássicos" que se possam ler: tirando a poesia (um caso complicado), um pouco de Eça, de Camilo e Oliveira Martins, quanto muito. E o inevitável Júlio Dinis, se conseguir passar por "clássico" e se alguém hoje o aturar. O facto é que a literatura portuguesa é pobre. Ainda por cima, os "protegidos" do "plano" não a percebem: nunca viram grande parte das palavras, tropeçam na sintaxe, ignoram as referências. Pegue, por exemplo, um dos promotores do "plano" em, por exemplo, Viagens na Minha Terra ou A Relíquia e explique o que lá está (um centésimo basta). Gostava de assistir.
Não conheço muita gente, gente da minha idade, que leia, apesar de uma educação tradicional. Porquê? Porque ler implica um esforço: de atenção, de inteligência, de memória. Ler é uma actividade e a nossa cultura é quase inteiramente passiva. A televisão, o DVD, a música popular ou a conversa de computador não exigem nada, deixam a pessoa num repouso imperturbado e bovino. Mudar isto equivale a mudar o mundo. Não se faz com um "plano". Claro que o romance de aeroporto se continua a vender, e bem: não puxa pela cabeça e vai matando o tempo. Talvez que Miguel Sousa Tavares (300 mil exemplares só em Portugal, mandou ele corrigir) e Margarida Rebelo Pinto levem a melhor. O Estado missionário não leva com certeza a parte alguma. Ou leva, leva a uns milhares de empregos para burocratas, bibliotecários, "mediadores de leitura" (um truque novo) e para a tropa fandanga do costume.
José Manuel Fernandes lamenta que os portugueses não leiam jornais, sentimento que do coração partilho. Mas também não existe em Portugal uma verdadeira discussão política (nem no Parlamento). A sério, a sério, não se discute coisíssima nenhuma: nem o regime, nem a ideologia do regime, nem religião, nem moral, nem moral social, nem sequer os deploráveis costumes da tribo. Porque iria um cidadão comprar sofregamente o jornal? E por que raio de lógica ler Eça e Camilo (que, de resto, execravam jornalistas) convenceria um adulto (ou uma criança) da bondade da imprensa? Desde o "25 de Abril", Portugal sofreu uma série infinita de obras de misericórdia, para chegar ao poço. É altura de acabar com a brincadeira.»



evva

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