sábado, junho 17, 2006

Vítor Serpa, a remar contra a maré

«FAZ hoje oito dias publiquei um artigo sobre os professores. Era um texto que não pretendia ser de um especialista na matéria. Um texto feito com o que julgo ser um pouco de bom senso e apresentado numa perspectiva de observador atento e nunca resignado à natureza das coisas injustas.

O texto tinha, ainda, uma perspectiva de comparação entre o professor e o treinador desportivo. No fundo, o treinador é um professor de desportistas e o professor um treinador dos conhecimentos e dos saberes. Um bom professor, tal como um bom treinador, não deve ter a pretensão de ensinar tudo, mas deve ter a competência de ensinar a aprender tudo. Não apenas durante o tempo do clube ou da escola, mas durante toda a vida.

O que me faz regressar hoje ao tema são, de novo, os professores.
Ao longo da semana recebi dezenas de mails e muitos telefonemas. Não escondo que fiquei emocionado com a forma como tantos professores se reviram no meu texto e fizeram questão de enaltecer méritos que, provavelmente, nunca tive. Mas o mais importante de tudo foi constatar que os professores de Portugal, os homens e as mulheres que preparam os nossos filhos para saberem aprender toda a vida, estão no limite das suas forças, das suas resistências, sentem-se profundamente desconsiderados e estão indignados com a afronta que lhes faz quase diariamente um ministério vesgo e surdo, que ainda os responsabiliza por serem, eles próprios, violentados, sabendo, melhor do que ninguém, que foi o próprio estado que passou anos e anos a desacreditar, a fragilizar e desautorizar os professores perante os alunos, tornando-os no elo mais fraco do nosso desgraçado sistema de ensino.

E se volto ao tema neste jornal que nunca aceitou, nos 61 anos da sua história, fronteiras sociais, económicas, políticas ou desportivas, é porque não posso nem devo ficar indiferente a esses dezenas e dezenas de textos, alguns excelentemente escritos, que não escondem a mais profunda das desilusões, mas todos de uma dignidade e de um sentido ético da profissão de professor que deve ser revelado e enaltecido. Apesar de tudo o que têm sofrido, no silêncio próprio de quem não tem os microfones ministeriais sempre a jeito dos seus argumentos nunca questionados, não tenho a menor dúvida de que os professores deste país são heróis desconhecidos, que não se deixam abater, que resistem, que choram de raiva, mas que ficam de pé.

E tenho muita vergonha de viver num país onde ainda são raros os media generalistas, sejam televisões, rádios, ou jornais, que tenham o mesmo sentido crítico, a mesma frontalidade, a mesma liberdade e, até, a mesma coragem que, apesar de tudo, ainda vamos encontrando em alguns jornais desportivos.»

Para quem ainda não leu, aqui fica a crónica de Vítor Serpa "Jogo pelos professores":

«Os professores andam em pé de guerra. Como os professores são normalmente distantes uns dos outros, os seus pés de guerra andam por aí semeados como pés de salsa, espalhados pelo País. De norte a sul.

Os professores estão descontentes. Com a vida que lhes corre mal, porque ninguém os valoriza; com os colegas, que só se interessam por resolver a >sua vidinha; com os alunos, que os desconsideram e maltratam; e, acima de tudo, com o Governo da nação, que os desvaloriza, os desautoriza e os desmoraliza.

Nunca fui um estudante fácil e sabia, que um professor desautorizado era um homem (ou uma mulher) morto na escola. Não quero dizer fisicamente mas profissionalmente. Como sempre fui bom observador, conhecia de ginjeira os professores fortes e os professores fracos. Os fortes resolviam, por si próprios, a questão. Alguns pela autoridade natural do seu saber e da sua atitude, outros de forma menos académica. Os fracos eram defendidos pelos reitores. Ir à sala de um reitor era, já por si, um terrível castigo. Mas bem me lembro que professores fracos e fortes, bons e nem por isso, se protegiam, se defendiam e se reforçavam na sua autoridade comum. Já nesse tempo se percebia que tinha de ser assim, porque, se não fosse, os pais comiam-nos vivos e davam-nos, já mastigados, aos filhos relapsos. E isso a escola não consentia.

Os pais, dito assim de forma perigosamente genérica, sempre foram entidades pouco fiáveis em matéria de juízo sobre os seus filhos e, por isso, sobre quem deles cuida, ensina e faz crescer. Os pais sempre foram o pavor dos professores de natação, dos técnicos do futebol jovem, dos animadores das corridas de rua. Os pais, em casa, acham os filhos umas pestes; mas na escola, no campo desportivo, no patamar da casa do vizinho, acham os filhos virtuosos e sábios.
Os pais são, individualmente, insuportáveis e, colectivamente, uma maldição. Claro que há pais... e pais. E vocês sabem que não me refiro aos pais a sério, que são capazes de manter a distância e o bom senso. Falo dos outros, dos pais e das mães que acham sempre que os seus filhos deviam ser os capitães da equipa e deviam jogar sempre no lugar dos outros filhos. O trágico disto tudo é que são precisamente esses pais os que, na escola, se acham verdadeiramente capazes de fazer a avaliação, o julgamento sumário dos professores dos seus filhos, achando que eles só servem para fazer atrasar os seus Einsteinzinhos.

Por isso eu aqui me declaro a favor dos professores. Quero jogar na equipa deles contra a equipa dos pais e ganhar o desafio da vida real e do futuro deste país contra o desafio virtual dos pedagogos de alcatifa.

A Bola, 3 de Junho de 2006»

evva

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