domingo, abril 30, 2006

The south african piano of Abdullah Ibrahim


Hoje à noite, a Casa da Música acolhe um concerto a solo do pianista de jazz Abdullah Ibrahim. Ouvi-o pela primeira vez em 22 de Abril de 2003, nesse espaço singular que é o Tapado, em volta de uma lareira acesa a degustar um tinto de eleição, música excelente e conversas intermináveis pela madrugada dentro.
O Tapado é um dos meus recantos preferidos e hoje à noite, pelas 22h, mais do que a música singularemente intimista e extraordinária de Abdullah Ibrahim que então gravei num cd e que toca em praticamente todos os jantares que se organizam cá em casa, naquele momento em que depois de repasto os corpos se afundam nos sofás a saborear um bom uísque (I hope...), vou celebrar esse lugar único e os que o construíram e habitam e me fazem sempre renascer a cada encontro.

evva

DEFINIÇÃO DA MOÇA



Como defini-la
quando está vestida
se ela me desbunda
como se despida?

Como defini-la
quando está desnuda
se ela é viagem
como toda nuvem?

Como desnudá-la
quando está vestida
se está mais despida
do quando nua?

como possuí-la
quando está desnuda
se ela é toda chuva?
se ela é toda vulva?

Ferreira Gullar, Obra Poética, Edições Quasi, 2003, p. 496.

[evva]

Adenda: Oops, esqueci de agradecer a quem me deu a conhecer pela primeira vez o poeta excepcional que é Ferreira Gullar. Sorry, Dulce, não sei se vou conseguir devolver-te o livro...

sábado, abril 29, 2006

Do 25 de Abril

Ainda a propósito do 25 de Abril (é como o Natal, há datas que se comemoram sempre que o homem quiser...), vejam o que se passou no programa da manhã liderado pelo Sr. Manuel Luís Goucha neste 25 de Abril.
Sucedeu que as duas convidadas do dia (pertinentíssimas para a data!), Lili Caneças e Cinha Jardim, partilharam as suas ilustres opiniões sobre o dia da Liberdade. E já estou como o outro, todos gostam de dar as suas «opiniães», pois não pagam imposto nem exigem sabedoria de quem as profere. O caso que me ocorre, todavia, comentar, é a questão das palmas do estimado público convidado pelo programa: Lili Caneças dizia que se hoje ainda há pobreza em Portugal, antes do 25 de Abril o povo realmente passava sérias dificuldades e muitas misérias que obrigaram a uma emigração massiva, e que hoje há a liberdade para expor estas questões, coisa que não era permitida durante a ditadura. Ó tempora! Ó mores! De facto, os aliados podem por vezes encontrar-se junto das pessoas mais insuspeitas! Qual a reacção do público do programa? Nem uma única palma! Comentário da tia Cinha: o 25 de Abil foi responsável pela descolonização, pela miséria de muitos retornados (que aí exploravam os autóctones e as riquezas naturais..., comentário meu), pela morte de sua mãe(certamente de desgosto, pois as únicas mortes desta revolução poética foram causadas pelos PIDES, comentário meu), etc, etc. Reacção do público: estrondosas palmas!
Ah! Que não se diga não haver por aí muitos saudosos do antigamente, e não apenas entre aqueles que realmente saíram economicamente prejudicados pela mudança para a democracia! Entre a gente ignorante e pobre também se encontram muitos nostálgicos do 24 de Abril, permanecendo na ignorância em que o Salazarismo os quis (e parece ter conseguido) manter. Citarei a Bíbila, «Senhor, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem!», ou Sophia, «Senhor, perdoai-lhes, porque sabem o que fazem?»

Cristina Costa Vieira

Vermelho é meu sangue e meu coração...

Não tenho sangue azul. Aliás, ninguém tem sangue azul...
Desde que há 33 anos a minha mãe ME DEU À LUZ,
todo o sangue que percorre meu corpo é vermelho.
E o sangue é que me faz viver, e a vida é que me faz sonhar,
e o sonho é que me faz crer que...
PARA O ANO A ÁGUIA HÁ-DE SER A RAINHA DOS CÉUS,
AFUGENTAR OS LEÕES NA TERRA,
E BICAR DOLOROSAMENTE OS DRAGÕES.
ESPEREM LÁ...
ESSE ANIMAL NEM SEQUER EXISTE

Com fair-play
(Este ano mereceram!)

HENRIQUE

Splendour in the air


O meu maior sonho sempre foi ser bailarina. Uma homenagem aos que conseguiram galgar a montanha de obstáculos que uma tal escolha implica e, uma vez lá em cima, lançarem-se no ar. Só quem tem música e ritmo dentro de si entende a sensação absolutamente única que é mover-se assim.

evva

quarta-feira, abril 26, 2006


Il n'y a de réellement obscènes que les gens chastes.

Joris-Karl Huysmans


[evva]

terça-feira, abril 25, 2006

25/04/74

O 25 de Abril pode ser apenas uma data, tal como qualquer outra que se considera importante. Pode ser um motivo de amuo ou de frustração para muitos que gostariam que o futuro tivesse sido outro.
Infelizmente não é razão suficiente para o povo português vir para as ruas celebrar, tal como faz a propósito da vitória do seu clube na primeira liga.
Mas também digam-me lá, de entre as mais importantes para a memória histórica do país, quais as celebrações que o povo reconhece como suas?
Felizmente há uns quantos que sorriem pelo facto de poderem estar a escrever e a falar livremente, e pelo facto de haver ainda pessoas que ainda não entenderam por completo o facto de que a sua frustração não advém do que se passou a seguir mas sim do facto não saberem exactamente o que esse futuro lhes vai trazer. O drama da insegurança e do medo, tão bem retratado naquele desenho animado do filme “Bowling for Columbine” de Michael Moore.
Obrigado Isabel, obrigado Filipe.
Felizmente vamos poder continuar a sorrir. Sorrateiramente. Para não ofender.

andré

Desculpem, mas não resisto a citar...

«Trincheiras

Os meus amigos de direita estão sempre em desacordo com os meus amigos de esquerda. Ou melhor, os meus amigos de esquerda fazem questão de estar permanentemente em confronto com os meus amigos de direita.
A hostilidade vem sempre do lado onde o sentido de humor escasseia.»
(via A Origem das Espécies)


Ah, que falta faz O Acidental!
Eu adorava ter mais amigos de direita, a sério que gostava. O que não quer dizer que certos Amigos de esquerda (pelo menos aqueles a quem posso designar por tal) não deixem de ter algum sentido de humor.

evva

O que eu hoje vou realmente comemorar


A minha irmã chegou à idade de Cristo. Parabéns, Xaninha!

evva

25 de Abril de 1974

Sem recorrer a opiniões mais ou menos credíveis de mais ou menos sumidades (sumidas ou a sumir-se...) para mim, mesmo correndo o risco de cair no cliché, hoje comemora-se a liberdade. A liberdade que se conquistou pelas mãos de homens e mulheres que estavam cansados de não poder falar, de não poder fazerloucuras, mais ou menos sérias, de não poder exigir salários justos, de não poder, se lhes apetecesse, sair do país. Homens e mulhers cansados de serem perseguidos só porque o vinho e o pão não lhes era suficiente. Porque acreditavam e criam em algo melhor. Melhor do que a bacoquice dos três Fs! Porque não acreditavam em padrões!
O que se fez ou faz hoje dessa liberdade é discutível. E ainda bem! Foi isso o 25 de Abril!!!! O tornar possível posts como o anterior e os comentários que lhe estão adjacentes.
Para mim, que não o vivi, mas que o sinto e respeito como um dia pleno de significado, o 25 de Abril é sinónimo de sonho, de construção. Claro que todos os sonhos e construções são imperfeitos... Mas ser sonho é sinónimo de pensamento, coisa que antes desta data não deveria passar disso mesmo: de pensamento escondido.
Claro que a seguir houve perseguições. O ser humano é mesquinho... anseia, pela sua natureza primária, vingança. Mas por mais cruel e injustificada que a violência da esquerda fosse, o que se chama à bacoquice (sim, repito o termo de propósito) pseudotirana do regime?
E quanto a brilhantes gestores, economistas e outras coisas acabadas ou não em istas, creio que ainda hoje se podem encontrar uns quantos... talvez menos escol, mas mais gente. Gente que quis falar, sonhar, bem ou mal não importa, mas que se recusou a ficar entorpecida
Por isso, hoje, colho um cravo vermelho e com muito, muito, muito orgulho escuto a grândola de lágrima no olho pelo profundo respeito que esta data me inspira. Porque me permite isso: sair à rua, com um cravo vermelho. Porque sou livre para o fazer.
25 de Abril, sempre!
Isabel Sofia

O que hoje se comemora

Subscrevo, mas não na íntegra (daí não linkar, mas apenas apresentar um excerto), este post de Karloos, no Small Brother:

«25 de Abril
Faz hoje trinta e dois anos que um grupo de soldados decidiu que não queria ir para uma guerra imbecil, e que a única forma de o evitar era acabar com um regime. O regime estava podre e sentia-se que ao primeiro abanão cairia. O regime caiu naquilo que se convencionou chamar a revolução da liberdade. Muitos pensaram que seria, efectivamente, a revolução da liberdade e da democracia, mas cedo se concluiu que aqueles que tomaram a revolução para si pouco sabiam de liberdade e não gostavam de democracia. A liberdade surgiu, sim, mas só para alguns.
Os anos que se seguiram à revolução foram de perseguições tão más ou piores do que aquelas que tinham sido feitas durante a ditadura. A revelação dos nomes dos informadores da PIDE provocou uma chacina em muitas zonas rurais e mesmo aqueles que mais tarde vieram a provar-se inocentes tiveram a sua vida arruinada. Os que de alguma forma tiveram sucesso antes de Abril foram perseguidos, chamados de fascistas, nem Amália Rodrigues escapou. Entre os empresários havia muitos que tinham enriquecido graças ao regime, mas muitos também pelo seu trabalho e parcimónia: todos acabaram expulsos do país, expurgados da sua riqueza. Nos meses seguintes à revolução o país viu sair os melhores gestores e técnicos, aqueles que podiam dar um rumo ao país, criar alternativas. O resultado foi que em 1976 o país estava muito mais pobre e a classe operária iria reparar que apesar de receberem muito mais, podiam comprar muito menos.
Quanto ao sentido de democracia de quem se apoderou da revolução, penso não haver grandes dúvidas. Em entrevista a Oriana Falacci, Álvaro Cunhal disse (entre outras coisas): “Nós, os comunistas, não aceitamos o jogo das eleições (...) Se pensa que o Partido Socialista com os seus 40 por cento de votos, o PPD, com os seus 27 por cento, constituem a maioria, comete um erro. Eles não têm a maioria (…) Estou a dizer que as eleições não têm nada, ou muito pouco, a ver com a dinâmica revolucionária (...) Se pensa que a Assembleia Constituinte vai transformar-se num Parlamento comete um erro ridículo. Não! A Constituinte não será, de certeza, um órgão legislativo. Isso prometo eu. Será uma Assembleia Constituinte, e já basta (...). Asseguro-lhe que em Portugal não haverá Parlamento (...) Nós, os comunistas, já tínhamos afirmado aos militares que o PPD não devia estar presente [nas eleições], que não se podia conduzir o país ao socialismo por meio de uma ampla coligação democrática. Mas eles quiseram juntar socialistas, comunistas, sociais-democratas e as diversas correntes do MFA... Tínha-mo-los avisado de que as eleições constituíam um perigo, que eram prematuras, que se não se tomassem precauções as perderíamos (…) Democracia para mim significa liquidar o capitalismo, os monopólios. E acrescento: não existe hoje em Portugal a menor possibilidade de uma democracia como as da Europa Ocidental”. Quando se apoderaram da revolução, os comunistas não queriam a democracia, queriam voltar o regime ao contrário e durante algum tempo conseguiram-no. O 25 de Abril não foi a revolução da liberdade nem da democracia. (...)»

Sublinhados meus. Ando há anos a repetir o que acabo de citar, mas até os mais esclarecidos se recusam a ouvir.

evva

Play it again, Sam



A minha tem um cabo madrepérola e a lâmina sempre afiada. Para os que se atreverem a dizer que estamos perante os novos Joy division.

evva

Comoção


Extraordinária a surpresa que a RTP proporcionou esta noite, ao transmitir o último concerto de Zeca Afonso no Coliseu (1983). Apesar de alguns elementos da assistência merecerem estar presos (e uma certa irritação quase involuntária por pouco me fazia mudar de canal cada vez que os filmavam, de cravinho na mão), e sem querer deixar de realçar a já tradicional polidez indígena no adequado uso dos aplausos (então aquela 'malta' não sabe que não se interrompe um Fado de Coimbra com palmas?), que memórias desfilaram ao escutar a voz trémula e embargada de um José Afonso já claramente debilitado... O meu tio Adriano, de olhar azul maroto, a dedilhar e a cantar a Balada de Outono ("Águas das fontes calai/ Ó ribeiras chorai/ Que eu não volto a cantar"), as noites adormecidas ao som da Canção de Embalar e todas as músicas que integraram a banda sonora despolitizada da minha infância, mais preocupada em cantarolar os refrães do que inquirir do seu significado profundo.
Confesso que desliguei no final para não ouvir a irritante Grândola, mas o que me ficou deste concerto único foi nele entrever uma certa (certeira?) imagem do 25 de Abril hoje, velho, doente e anacrónico. Haverá ainda motivo para comemorações?

evva

domingo, abril 23, 2006

Questões de geografia


Não posso deixar de concordar com o coro de vozes que por aí grassa e indignar-me com a cobertura televisiva da vitória do Futebol Clube do Porto no campeonato. Se fosse um desses clubezecos que lutam (?) pelo segundo lugar, interrompiam-se emissões com directos vários, abriam-se telejornais e alongavam-se reportagens.
Acredito que a visibilidade que o fenómeno futebolístico tem nos media nacionais é um claro sinal do atraso do país, conto refugiar-me numa ilha durante o próximo campeonato do mundo, a aguardar que a 'selecção' tropece logo na primeira fase para nos livrarmos do estado catatónico e começarmos a pensar em coisas sérias e abomino visceralmente o discurso norte-sul incendiário do inconsequente Jorge N. Pinto da Costa (responsável, entre outros quejandos, pelo meu crescente desinteresse por futebol), mas é em situações como esta que por vezes não deixa de fazer sentido. Parafraseando um post blasfemo, CURVEM-SE PERANTE A GLÓRIA DO GRANDE DRAGÃO!

evva

O Livro

(O Livro e o Beijo; Dante e Virgílio no Inferno observando os dois amantes assolados pelo vento infernal)
Paolo e Francesca de Rimini, Dante Gabriel Rossetti

No Canto V d' O Inferno, justamente intitulado 'Os Luxuriosos', Dante classifica a lascívia como o menos grave dos pecados, colocando-o no círculo mais externo (por curiosidade, na visão do próprio Dante, é coincidentemente o mais grave dos pecados por si experimentados). O castigo condena o pecador a ser eternamente arrastado por uma espécie de furacão. É neste passo que Dante evoca os amores adúlteros e funestos de Francesca de Rimini, filha do Duque de Polenta, e Paolo Malatesta, transformado em eterno parceiro no turbilhão infernal, duplo do vento passional que os arrastou em vida.

Os amantes foram mortos no momento em que liam o episódio onde Lancelot, apaixonado por Genevra (consorte de Artur), é induzido a beijá-la por Galeote. Paolo e Francesca perdem-se também num beijo e são surpreendidos pelo marido e irmão traído, Gianciotto Malatesta. Corria o ano de 1289.

Na Comédia, Francesca narra o esforço de ambos para resistir ao pecado. A tudo resistiram, de facto, excepto à sedução despertada pela leitura:


Nessun maggior dolore
che ricordarsi del tempo felice
ne la miseria; e ciò sa 'l tuo dottore.

Ma s'a conoscer la prima radice
del nostro amor tu hai cotanto affetto,
dirò come colui che piange e dice.

Noi leggiavamo un giorno per diletto
di Lancialotto come amor lo strinse;
soli eravamo e sanza alcun sospetto.

Per più fiate li occhi ci sospinse
quella lettura, e scolorocci il viso;
ma solo un punto fu quel che ci vinse.

Quando leggemmo il disiato riso
esser basciato da cotanto amante,
questi, che mai da me non fia diviso,

la bocca mi basciò tutto tremante.
Galeotto fu 'l libro e chi lo scrisse:
quel giorno più non vi leggemmo avante.

[evva]

P.S.: Não tive oportunidade (nem tempo) de procurar o excerto que Paolo e Francesca liam. Fica para mais tarde.

Uma paixão

Visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
vem

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem

antes que desperte em mim o grito
de alguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te

Al Berto

[evva]

AMADEO MODIGLIANI & JEANNE HÉBUTERNE

amadeo:
certo dia, quando pintava o retrato de soutine e a mão deixara de me seguir, soutine disse-me:
- bebes para te matares.
e eu perguntei-lhe:
- e tu, soutine, o que te levou à tentativa de te enforcares?
saímos, depois, em silêncio para a rua. vimos o sena latejar sob as pontes e engolir as estrelas da imensa noite de paris.

jeanne:
soutine tinha razão. os anos passaram, não muitos, e amadeo tentara arranjar coragem para deixar de beber. foi inútil, e às vezes era violento - apesar de saber que eu nunca o abandonaria.

amadeo:
jeanne pressentiu que eu não precisaria de muito tempo para realizar a minha obra. sempre vivi como um meteoro.

soutine:
a 25 de janeiro de 1920, jeanne soube da morte de amadeo. refugiou-se num quarto em casa dos pais, num quinto andar. abriu a janela e saltou para junto dele.

Al Berto

["Olhar esvaziado como uma lâmina de vidro, não é de cegueira que se trata, mas da representação abstracta de um olhar introspectivo que se vira para o interior", disse a historiadora Helena de Freitas de um outro “Retrato de Jeanne Hébuterne”, mas que se aplica quase exemplarmente a todos os retratos que Amedeo Modigliani pintou da sua última musa.
Modigliani realizou um "trabalho obsessivo sobre o corpo da mulher, a partir do conceito de idealidade e de decifração de um enigma feminino". Artista de paixões e (des)encontros, alimentou "o mito do pintor boémio". Mas "não se limitava a pintar os seus modelos" - as mulheres tornam-se "imagens de devoção e, mesmo nas representações mais abstractas, percebe-se a intensa relação do artista com a ideia de modelo." A historiadora chama-lhes "fetiches de felicidade ou de plenitude".

Modigliani "atinge um nível de caracterização extrema da figura - o rosto da mulher é o resultado dessa síntese, tentativa de seleccionar linhas puras, contornos certos". O espaço de representação é "restrito e magnetizado por campos de cor intensos". E mais não é do que o "cenário de um jogo entre quem pinta e quem se deixa pintar".
Essa tensão "quase hipnótica" passa "intensamente" pelo olhos - "neste olhar esvaziado como uma lâmina de vidro, não é de cegueira que se trata, mas da representação abstracta de um olhar introspectivo e dominado, que se vira para o interior". Escreveu o pintor: 'A beleza tem seus direitos dolorosos: cria, porém, os mais belos esforços da alma'.
Em 24 de janeiro de 1920, Modigliani morre no Charité de Paris, vítima de tuberculose. No dia seguinte, grávida de nove meses, Jeanne Hébuterne suicida-se. Uma grande multidão assiste ao funeral de ambos no cemitério de Père Lachaise.

A 11 de Maio de 2006 estreia o filme Modigliani , de Mike Davis, com Andy Garcia, Elsa Zylberstein e Omid Djalili.

evva]

sábado, abril 22, 2006

Pura poesia



Oh meu Porto onde a eterna mocidade
Diz à gente o que é ser nobre e leal
Teu pendão leva o escudo da cidade
Que na história deu o nome a Portugal

Oh campeão, o teu passado
É um livro de honra de vitórias sem igual
O teu brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto, Porto, Porto, Porto
Porto, Porto, Porto, Porto
Porto, Porto

Quando alguém se atrever a sufocar
O grito audaz da tua ardente voz
Oh, Oh, Porto, então verás vibrar
A multidão num grito só de todos nós

Oh campeão, o teu passado
É um livro de honra de vitórias sem igual
O teu brasão abençoado
Tem no teu Porto mais um arco triunfal
Porto, Porto, Porto, Porto
Porto, Porto, Porto, Porto
Porto, Porto



evva

sexta-feira, abril 21, 2006

Hoje...


decidi abandonar por um dia os manuscritos e dedicar-me a livros impressos

evva

quinta-feira, abril 20, 2006

A Morte convida...


Filme de diálogos extraordinários e fotografia de uma beleza perturbadora, difícil de igualar, O Sétimo Selo (1956, Ingmar Bergman) passa hoje pelas 19,30 no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no âmbito do ciclo A Idade Média no Cinema.

A projecção será seguida de um debate dinamizado pelos Professores José Carlos Miranda (Literatura Medieval) e Serge Abramovici (Literatura Francesa). Imprescindível a qualquer cinéfilo que se preze, este jogo de xadrez inquietante e magnífico.

evva

quarta-feira, abril 19, 2006

Calla lily, Zantedeschia aethiopica


Estas são das minhas flores preferidas e que actualmente ornam duas jarras cá em casa. Ando há mais de um mês a espiar atentamente os canteiros do meu pai, ansiosamente à espera da floração, que este ano tardou muito. Elegantes e muito sensuais, quase fálicas, gosto de colocá-las sobretudo no quarto, apesar de serem tóxicas (encerram ráfides de oxalato de cálcio e saponinas, não aproximar os olhos ou a boca...).


O que pensamos ser a flor, não são mais do que folhas transformadas em cálice, que contêm no seu interior milhares de verdadeiras flores.

evva

terça-feira, abril 18, 2006

Segredo


Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta
Minha Senhora de Mim, Gótica, 2001 (5ª edição)

[evva]

domingo, abril 16, 2006

Marcelo's new girl

Aleluia!
Arranjaram uma nova partenaire para o programa "As escolhas de Marcelo". Como não sou espectador regular (na verdade quase nunca o vejo) não sei se a Maria Flor Pedroso já lá está há muito ou não.
Mas está bem.
Sempre me pareceu que o programa era um sofrimento quer para a Ana Sousa Dias, que parecia estar a fazer o frete, quer para o Marcelo Rebelo de Sousa, que me parecia entediado pelo frete da senhora.
Deixem a Ana Sousa Dias com as entrevistas que ela faz tão bem na 2:, e deixem o "Acelerador de Particulas" com quem gosta ou parece gostar de o aturar. Para além do mais, a Maria Flor Pedroso (cuja competência aprecio) é, ao contrário da sua colega, uma jornalista da política e sabe manter aquela pose de confronto controlado típico deste tipo de jornalistas.
Vai, vai Ana que estás perdoada.

andré

Splendor in the grass

"No nice girl feels like that."

Não me interessa se Elia Kazan foi ou não um delator, para mim há-de ser sempre um dos melhores realizadores do século XX. Basta olhar a sua filmografia e as obras-primas com que a 2: nos tem brindado aos sábados a horas tardias. Já rever East of Eden havia sido intenso, mas que dizer de Splendor in the grass, em que Natalie Wood tem em Deanie Loomis a interpretação da sua vida? Asolutamente arrebatador.

Alguém consegue esquecer aquele final em que Deanie recorda os versos de Wordsworth da Ode on the Intimations of Immortality?

"Though nothing can bring back the hour
of splendour in the grass,
of glory in the flower,
we will grieve not,
rather find strength in what remains behind."

E não resisto a evocar, uma vez mais, os versos que Ruy Belo dedicou a uma das mais belas e frágeis personagens do cinema.

ESPLENDOR NA RELVA

Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo, O Bosque Sagrado
(colectânea de poemas sobre cinema)


evva

P.S.: Não, não perdoo aos que sabiam que ele ia passar na 2: e 'esqueceram-se' de avisar, fazendo-me perder os primeiros 20 minutos de filme!

sábado, abril 15, 2006

A noite em que descobri Chloris

Lembram-se daqueles serões dos romances de Jane Austen, em que uma voz cristalina sentada ao piano entoa as mais belas melodias? Ontem tive uma noite assim, encantadora, no Clube Literário do Porto. Obrigada, Catarina Sereno (soprano) e Joana Resende (piano), que melhor companhia para uma noite de tempestade?
Apesar de só ter chegado na segunda parte do recital, tocou-me maravilhosamente esta canção de Reynaldo Hahn (1875-1947), amante de Proust, um dos poucos a ousar defender publicamente Dreyfus no célebre affair (o que fez com durante anos e até mesmo depois de reconhecida a inocência fosse alvo de pateadas), director da Ópera de Paris a partir de 1945, depois da sua música ter sido proibida durante o regime de Vichy.
Por que não são assim todas as noites de chuva, sem o ruído da televisão, em volta de um piano e de uma voz tão bonita? Até a chuva se torna agradável. Fiquem com À Chloris, poema de Théohile de Viau (1590 -1626), conhecido pelo seu ateísmo e os versos licenciosos (a melodia, que mais uma vez não consegui postar, é uma infinitamente bela homenagem a Bach e consegue-se até ouvir no leit motiv umas notinhas das Variações Goldberg):

S'il est vrai, Chloris, que tu m'aimes,
Mais j'entends, que tu m'aimes bien,
Je ne crois pas que les rois mêmes
Aient un bonheur pareil au mien.
Que la mort serait importune
De venir changer ma fortune
A la félicité des cieux!
Tout ce qu'on dit de l'ambroisie
Ne touche point ma fantaisie
Au prix des grâces de tes yeux.

Cloris prestes a ser raptada por Zéfiro, na Primavera de Botticelli

[evva]

sexta-feira, abril 14, 2006

Sexta-Feira Santa

AQUI ESCOMIENZA EL DUELO QUE FIZO LA VIRGEN MARIA EL DIA DE LA PASION DE SU FIJO JESUCHRISTO
(...)
Conviene que fablemos en la nuestra privanza
Del pleito del mi duelo, de la mi mal andanza,
Commo sufri martirio sin gladio e sin lanza,
Si Dios nos aiudara fer una remembranza.

Fraire, verdat te digo, debesme tu creer:
Querrie seer muerta mas que viva seer;
Mas al Rey del çielo nol cadió en plaçer,
Oviemos del absinçio larga-mente a beber.

Con rabia del mi Fiio, mi padre, mi sennor,
Mi lumne, mi confuerto, mi salut, mi pastor,
Mi vida, mi conseio, mi gloria, mi dulzor,
Nin avia de vida nin cobdiçia nin sabor.

Tant era la mi alma cargada de tristiçia.
Non avia de vida nin sabor nin cobdiçia,
Qui fablarme quissiesse palabras de letiçia.
Non serie de buen sesso, nin sabrie de iustiçia.

Vediendo al mi Fiio seer en tal estado,
Entre dos malos omnes seer cruçifigado,
El mal non mereçiendo seer tan mal iudgado,
Ia nunqua podie seer mi corazon pagado.
(...)
Fiio dulz e sombroso, tiemplo de caridat,
Archa de sapiençia, fuente de piedat,
Non desses a tu Madre en tal soçiedat,
Qua non saben conoçer mesura nin bondat.

Fiio, tu de las cosas eres bien sabidor,
Tu eres de los pleitos sabio avenidor,
Non desses a tu. Madre en esti tal pudor
Do los sanctos enforcan e salvan al traydor.

Fiio, siempre oviemos io e tu una vida,
Io a ti quissi mucho, e fui de ti querida:
Io siempre te crey, e fui de ti creyda,
La tu piadat larga ahora me oblida.

Fiio, non me oblides e lievame contigo,
Non me finca en sieglo mas de un buen amigo,
Iuan quem dist por fiio, aqui plora conmigo:
Ruegote quem condones esto que io te digo.

Ruegote quem condones esto que io te pido,
Assaz es pora Madre esti poco pidido:
Fiio, bien te lo ruego, e io te me convido
Que esta petiçion non caya en oblido.

Recudió el Sennor, dixo palabras tales:
Madre, mucho me duelo de los tus grandes males,
Muevenme tos lagrimas, los tus dichos capdales,
Mas me amarga esso que los colpes mortales.

Madre, bien te lo dixi, mas aslo oblidado,
Tuelletelo el duelo que es grant e pesado.
Porque fui del Padre del çielo enviado
Por reçibir martirio, seer cruçifigado.
(...)
Madre, cata mesura, atiempra mas to planto:
Madre, por Dios te sea, non te crebrantes tanto.
A todos nos crebantas con essi tu quebranto:
Madre, que tu lo hagas por Dios el Padre sancto.

Disso la Madre: Fijo, lo que vos me fablades,
Quomo de muert a vida asi me revisclades,
Con esso que diçides mucho me confortades,
Qua io bien veo que vos por todos nos lazdrades.
(...)
Madre, disso el Fijo, de oy a terçer dia
Seré vivo contigo, verás grant alegria,
Visitaré primero a ti, Virgo Maria,
Desende a don Peidro con la su compannia,

Madre, de ti con tanto me quiero despedir,
Todo te lo e dicho lo que he de deçir.
Inclinó la cabeza commo qui quier dormir,
Rendió a Dios la alma, e dessóse morir.

Gonzalo de Berceo (séc. XIII)

[evva]

quinta-feira, abril 13, 2006

Parte do problema da França



Estátua de Charles de Gaulle nos Champs-Elysées em Paris onde se pode ler: Il y a un pacte vingt fois seculaire entre la grandeur de la France et la liberté du monde.

andré

Tempo lento


Foi um dia a pousar de café em café ao rítmo de um livro e da disposição.
A poesia da contemplação transmite um misto de tranquilidade pelo tempo que também é nosso, e de culpa, pelo luxo de o poder usar desta maneira.
Mais do que tudo, a dupla satisfação de poder fugir à opressão do trabalho, da produção, e do progresso, e de conseguir disfrutar da calma e da paz que está tão perto mas que mesmo assim é muitas vezes difícil de encontrar.

andré

Aos meus amigos

Aos que me escutam, aos que me consolam, aos que me dão colo, aos que se riem dos meus dramas e teimam com um sorriso em mostrar-me a suave naturalidade deste rio que flui e que insisto em agitar, eu, que tudo sinto intensa e dolorosamente, aos que vibram com as minhas pequenas alegrias, aos que aturam o meu espírito díficil, insuportavelmente persistente, aos que perdoam os meus excessos, aos que os apontam para que não volte a soçobrar, aos que agradecem, cada dia, os momentos que partilhamos e aos que me fazem, a cada momento, querer ser um pouco melhor:

«a iiª ygualeza que he antre persoas desvayradas chama-se amizade. Esta tem fundamento en o ben honesto e vertuoso, e nom ama por entender seu proveyto nem seu prazer en a cousa amada, mas tam soomente por ella seer boa sente o amor dentro en sy meesmo delectoso contentamento (...). [Segundo diz Seneca] en hua sua epistolla, as cousas seguras mostram os amigos e os fazem parecer, mas as tribulaçoões os provam, demonstrando quaaes son certos e quaaes nom. (...)

E porem diz Seneca en o Livro dos costumes que o meu amigo he outro eu. E quem tal cobrar, seendo como elle, stara soo e acompanhado. E, demonstrando a elle o segredo do seu conselho, sentirá alivamento, assy como se o dissesse a outrem, e avera segurança de sse nunca saber, como se o sempre tevera calado, nem avera que recear, pois homem strangeyro non sta antre elles, mas cada huu he tornado en outro e ambos son feytos hua persoa. Desta amaviosa ygualeza nace grande segurança, per cujo aazo o amante acha sempre prestes e aparelhados os peytos do seu amigo, en que seguramente possa deitar qualquer cousa que trouxer maginada, da qual sempre sera tam seguro como se a tevesse çarrada en sy meesmo

Deste amigo se diz aquella palavra comuu, convem a ssaber: "Non ha en o mundo cousa mais doce que teer amigo com que homem ouse de falar todallas cousas assy como consigo". E por seer achado tal como este compre a cada huu de aver cuydado special. E, depois que o tever gaançado, ponha en o guardar boa femença, per tal maneyra que o sentimento que ambos ouverem perteeça juntamente a hua persoa. E stonce os seus coraçoões acharam dentro en sy muy doce e leal benquerença, que antre os prazeres do mundo he mais delectosa. E as palavras do verdadeiro amador abrandaram o cuydado do seu amigo. Elle per sua sentença dara desembargo ao seu dovidoso conselho, e, avendo compaixom dos padecimentos do amado, apouquentará sua doença e con prazivel ledice tirará sua tristura. E cada huu, enquanto stever en presença do outro, sentirá doce folgança.»

Livro da Vertuosa Benfeytoria, Infante D. Pedro/ Frei João Verba, Ed. crítica, organização, introdução e notas de Adelino de almeida Calado, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1994.

[evva]

segunda-feira, abril 10, 2006

Leopoldo María Panero

PROYECTO DE UN BESO

Te mataré mañana cuando la luna salga
y el primer somormujo me diga su palabra
te mataré mañana poco antes del alba
cuando estés en el lecho, perdida entre los sueños
y será como cópula o semen en los labios
como beso o abrazo, o como acción de gracias
te mataré mañana cuando la luna salga
y el primer somormujo me diga su palabra
y en el pico me traiga la orden de tu muerte
que será como beso o como acción de gracias
o como una oración porque el día no salga
te mataré mañana cuando la luna salga
y ladre el tercer perro en la hora novena
en el décimo árbol sin hojas ya ni savia
que nadie sabe ya por qué está en pie en la tierra
te mataré mañana cuando caiga la hoja
decimotercera al suelo de miseria
y serás tú una hoja o algún tordo pálido
que vuelve en el secreto remoto de la tarde
te mataré mañana, y pedirás perdón
por esa carne obscena, por ese sexo oscuro
que va a tener por falo el brillo de este hierro
que va a tener por beso el sepulcro, el olvido
te mataré mañana cuando la luna salga
y verás cómo eres de bella cuando muerta
toda llena de flores, y los brazos cruzados
y los labios cerrados como cuando rezabas
o cuando me implorabas otra vez la palabra
te mataré mañana cuando la luna salga,
y así desde aquel cielo que dicen las leyendas
pedirás ya mañana por mí y mi salvación
te mataré mañana cuando la luna salga
cuando veas a un ángel armado de una daga
desnudo y en silencio frente a tu cama pálida
te mataré mañana y verás que eyaculas
cuando pase aquel frío por entre tus dos piernas
te mataré mañana cuando la luna salga
te mataré mañana y amaré tu fantasma
y correré a tu tumba las noches en que ardan
de nuevo en ese falo tembloroso que tengo
los ensueños del sexo, los misterios del semen
y será así tu lápida para mí el primer lecho
para soñar con dioses, y árboles, y madres
para jugar también con los dados de noche
te mataré mañana cuando la luna salga
y el primer somormujo me diga su palabra.

"El último hombre" 1984

[evva]

Mata! Mata!

Ao ignóbil que chegou a este blog através da pesquisa Google 'a relação homossexual do rei artur e lancelot':
fique sabendo que esta é a sede número 1 do clube de fans de Lancelot, é bom que não me apareça pela frente, seu *%#&!

evva

domingo, abril 09, 2006

A ver os blogues passar

Sempre encarei a informática como um meio moderno de fazer novos excluídos. Poderia encontrar no recôndito do meu ser vagas razões para isso ou tentar descortinar motivações sociológicas para o facto: as primeiras reservo-as só para mim; as segundas, não tenho pachorra de apresentar. Considero, por isso, ser este um momento solene: aquele em que uma voluntariamente info-excluída (ironia: a minha irmã, que adoro, é programadora informática) se estreia na blogosfera, ainda com a sensação de quem está a dominar uma fera...
Hoje, estive a ver blogues passar nas pontas dos dedos da minha amiga Elsa. E eis que se revelou a luz de alguns dos melhores tesouros da gruta de Ali Bábá. Pela primeira vez apercebi-me da existência de pérolas de cariz literário, das potencialidades e virtudes no ciberespaço. A Elsa espanta-se de que só agora lhe tenha dado ouvidos, o Henrique deve admirar-se de que finalmente deixe de encarar a Net como bicho-papão e me aperceba da nova beleza inerente à coisa!
Não digo que irei compor uma «Ode Triunfal» à blogosfera, mas confesso que me sinto um pouco como alguém a quem foi dado, por fim, ver a luz. Já Platão bradava na Caverna: a caminhada para a luz faz-se de forma gradual, pois a revelação imediata pode cegar... E São Paulo, 500 anos mais tarde, aconselhava o leite primeiro para se chegar depois ao alimento sólido. Como não sei se quero cegar como São Paulo na estrada de Damasco, e como achei que ficavam bem aqui estas referências para não me considerarem uma inculta qualquer pelo facto de só agora vislumbrar as potencialidades da blogosfera, e para não me enterrar mais, fico por aqui, por hoje! Mi aguarrrdem!!!

Cristina Costa Vieira

Como sobreviver a um coração despedaçado I

Chegar a casa, ligar o computador e publicar versos no blog, mesmo alheios, mesmo que nos façam chorar. Lá virá o tempo em que as lágrimas se estancam e começamos a amar mais as palavras, únicas, irrepetíveis, que os seres que secreta e indiferentemente as inspiraram:

Paráfrase

Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos constrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.

A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.

Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta

Pedro Mexia


[evva]

P.S.: Toca a arregaçar as mangas e a analisar/comentar a 'metapoeticidade mexiana'. Esta vida são dois dias e Cristo só dormiu três.

Onde é que eu já vi esta imagem?...

evva

Do grã doo que el rey dõ Afonso fazia por seu filho

Afonso VI de Leão e Castela, re-conquistador de Toledo, perdeu o filho Sancho Afonso na batalha de Uclés, na sequência da primeira ofensiva almorávida na Península. A pressão militar e a extorsão económica do período pós-Toledo obrigaram os reinos taifas a pedir ajuda aos almorávidas que dominavam o norte de África, desencadeando uma violentíssima campanha que culminou no desastre de Uclés, em 1108. 'O lamento de Afonso VI' ao receber a notícia da morte do único filho varão é uma das mais belas páginas da literatura medieval, que me comove até às lágrimas em cada leitura:

«Conta a estoria que, quando soube el rrey a morte do fillo, disse a aquelles que vijnã da batalla:
- Ay, meu fillo!
Et esto dizia elle cõ grã door que tijna no curaçõ, dizedollis todauja:
- Ay, meu fillo, alegria do meu curaçõ, lume dos meus ollos, solaz de mjna velleçe! Ay, meu espello en que me soya ueer et con que tomaua muy grã prazer! Ay, meu herdeyro mayor!»

[evva]

sábado, abril 08, 2006

Como el rey dõ Afonso casou con a Çayda, filla del rrey de Seuilla


«Conta a estoria que el rrey dõ Afonso, estando por casar et seendo muy esforçado et auenturado (...) ouueo a saber a donzela dõna Çayda. Et, tam grande foy o bem que oyo dizer del rrey dõ Afonso, que sse namor[o]u delle, pero que nunca o vira; mays por o boo pre[z] que delle oya. Et tam grande foy o amor que delle ouue que ouue a buscar carreyra como ouuesse seu amor. Et aaçima, como as molleres som subtijs et sabedeyras do [que] querem fazer (...) envioullj dizer per seus mandadeyros que teuesse por bem de a veer. (...)
Et el rey, quando o oyo, prouguelle moyto et enviolle dizer que a yria veer hu elle quisesse. (...) Et depoys que a vyo el rrey, foy tan pagado dela como ela dele, que a vio muy fremosa et de boo doayro. Et ouuerõ sua fala em huu. Et ela disse que, se quisese casar cõ ela, que lle daria as villas et os castelos que ela avia. Et // el rrey lle disse:
- Poys conuem que seiades cristãa.
Et ela disse que o faria de muy bõamente, quanto el mandasse.
(...) Et tornousse cristãa et casou cõ ella. Et ela outorgoulle as villas et os lugares que auedes oydo. Et, quando a bautizarõ, mandou el rrey que llj nõ posesem nume Maria, por que elle nõ queria preyto cõ moller que ouuese assy nume, et poserõlle nume Ysabel. Et ouue en ela huu fillo a que diserõ dom Sancho Afonso»

Tradução galega (?) da Primeira Cronica General e da Cronica de Castela (c. 1300), ed. Ramon Lorenzo

[evva]

E agora?

Como sobreviver sem o Rodrigo Moita de Deus?

evva

domingo, abril 02, 2006

El lamento de José de Arimatea

No soporto la voz humana,
mujer, tapa los gritos del
mercado y que no vuelva
a nosotros la memoria del
hijo que nació de tu vientre.

No hay más corona de
espinas que los recuerdos
que se clavan en la carne
y hacen aullar como
aullaban
en el Gólgota los dos ladrones.
Mujer,
no te arrodilles más ante
tu hijo muerto.
Bésame en los labios
como nunca hiciste
y olvida el nombre
maldito de
Jesucristo.

Así arderá tu cuerpo
y del Sabbath quedará
tan sólo una lágrima
y tu aullido.

Leopoldo María Panero

[evva)

Adenda: uma outra abordagem do nosso bem-amado José, imprescindível em qualquer biografia autorizada ou evangelho apócrifo.

sábado, abril 01, 2006

Diario de un seductor


No es tu sexo lo que en tu sexo busco
sino ensuciar tu alma:
desflorar
con todo el barro de la vida
lo que aún no ha vivido.

Do poète maudit Leopoldo María Panero (El que no ve, 1980)

[evva]