sábado, abril 15, 2006

A noite em que descobri Chloris

Lembram-se daqueles serões dos romances de Jane Austen, em que uma voz cristalina sentada ao piano entoa as mais belas melodias? Ontem tive uma noite assim, encantadora, no Clube Literário do Porto. Obrigada, Catarina Sereno (soprano) e Joana Resende (piano), que melhor companhia para uma noite de tempestade?
Apesar de só ter chegado na segunda parte do recital, tocou-me maravilhosamente esta canção de Reynaldo Hahn (1875-1947), amante de Proust, um dos poucos a ousar defender publicamente Dreyfus no célebre affair (o que fez com durante anos e até mesmo depois de reconhecida a inocência fosse alvo de pateadas), director da Ópera de Paris a partir de 1945, depois da sua música ter sido proibida durante o regime de Vichy.
Por que não são assim todas as noites de chuva, sem o ruído da televisão, em volta de um piano e de uma voz tão bonita? Até a chuva se torna agradável. Fiquem com À Chloris, poema de Théohile de Viau (1590 -1626), conhecido pelo seu ateísmo e os versos licenciosos (a melodia, que mais uma vez não consegui postar, é uma infinitamente bela homenagem a Bach e consegue-se até ouvir no leit motiv umas notinhas das Variações Goldberg):

S'il est vrai, Chloris, que tu m'aimes,
Mais j'entends, que tu m'aimes bien,
Je ne crois pas que les rois mêmes
Aient un bonheur pareil au mien.
Que la mort serait importune
De venir changer ma fortune
A la félicité des cieux!
Tout ce qu'on dit de l'ambroisie
Ne touche point ma fantaisie
Au prix des grâces de tes yeux.

Cloris prestes a ser raptada por Zéfiro, na Primavera de Botticelli

[evva]

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