sexta-feira, março 21, 2008

Terror desde Mondragón

El terror es desaparecer, o no ser nosotros mismos. Ser comidos, o sorbidos.
(Leopoldo María Panero)

A frase em epígrafe figura na contracapa da edição da Tusquets (Barcelona, 1976) de El lugar del hijo como citação do “Prólogo desordenado y monárquico” que deveria anteceder os relatos reunidos nesta obra. Pretendo sublinhar aqui o carácter especial de que a mesma se reveste e a pouca visibilidade de que usufruiu, na medida em que constitui um dos dois únicos livros de relatos de um autor cuja produção é maioritariamente poética.

Como se pode ler de uma nota dos editores, o autor, Leopoldo Panero, decidiu suprimir o referido prólogo estando o livro já composto. Os vestígios que dele sobraram oferecem pistas de uma concepção de terror que (rejeitada ou não pelo autor) efectivamente transparece no texto e que se orienta para a exploração deste conceito enquanto sinónimo de experiência limite, entendendo-se aqui por experiência limite a vivência de uma situação em que o que é se encontra próximo de deixar de ser. Nessa fronteira, o indivíduo toma contacto com uma realidade interdita cujo conhecimento opera sobre ele transformações que conduzem à sua anulação enquanto sujeito, pois transportam-no para uma dimensão não aceite como humana. 

Procurando traduzir os aspectos centrais que definem o Gótico enquanto prática literária, David Punter (1980: 404-405) chegou à síntese dos seguintes elementos: i) exploração do que o autor designa de paranoiac structure e que corresponde ao desenvolvimento de uma situação em que o terror e o que nele há de sobrenatural é posto em causa questionando simultaneamente as certezas do que se conhece como mundo natural; ii) a representação do medo que a barbárie inspira à civilização; iii) a abordagem do tabu. Perante estes elementos dá-se o que Punter (1980: 407) reconhece no romance gótico como a desmontagem da visão realista de causa-efeito, apresentada como mera simplificação e distorção de uma realidade inexplicável nesses termos. É a partilha destes aspectos, que faz integrar estes contos dentro da categoria de relatos de terror e a cuja especificidade dentro da escrita particular de Leopoldo Panero se tentará aqui fazer uma aproximação. 

A estratégia narrativa da paranoiac structure é visível nesta colectânea de contos na medida em que construção da intriga reside na maior parte dos casos num processo em que a progressiva intrusão do sobrenatural vai sendo racionalizada, mas, posteriormente, essa racionalização perde sentido quando é a própria natureza humana que escapa a qualquer justificação invertendo a estrutura de suspense e a percepção das personagens pelo leitor. O terror que estas sentem até determinado momento do texto é uma forma de resistência sustentada culturalmente e a anulação desse terror transpõe-nas para outra dimensão fora do culturalmente aceitável que, simultaneamente, é permeável ao questionamento (pela sua natureza de construção cultural) dos parâmetros do que se aceita e rejeita enquanto natural.

Se nestes contos o terror se impõe como manifestação de pertença civilizacional, neles se expõem também na sua ineficácia as estratégias que a mesma civilização desenvolve para se defender desse terror e da realidade que o motiva (bárbara ou sobrenatural), sendo que as estratégias mais recorrentes  consistem na racionalização do medo pela psicologia ou pela religião.

Relativamente ao reconhecimento do tabu e da sua abordagem o mais importante a focar parece ser a inexistência de julgamento moral a esse respeito, o que confere aos relatos um tom de amoralidade, particularmente evidente nas repetidas aproximações explícitas entre o bem e o mal, independentemente das diferenças de contextos em que ocorrem.


Referências
PUNTER, David (1980), The literature of terror: a history of gothic fictions from 1765 to the present day, Londres, Longman.
PANERO, Leopoldo M.ª (1976), El lugar del hijo, Barcelona, Tusquets.

Sónia

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