A propósito dos 18 anos do Público
Desmotivado pela enormidade dos formatos do JN e do DN e pelo seu grafismo desordenado, foi com o Público que comecei a levar os jornais um pouco mais a sério. Era bem mais fácil de ler, tinha dossiers, entrevistas e suplementos interessantes.
Tal como tudo na vida, o jornal foi mudando. Mas eu mantive-me fiel na esperança de que, "haja o que houver", o espírito de independência, elegância e correcção se mantivesse.
Agora que passou à maioridade, tenho por vezes dificuldade em reconhecê-lo. O caderno principal continua mais ou menos igual, mas a colagem ao Guardian substituiu a elegância pela funcionalidade. A correcção parece mais relaxada, em detrimento da superficialidade das imagens, que agora parecem ser o mais importante (?!). A indepêndencia tem-se vindo a perder, como o demonstra esta semana o provedor do Público (ver extracto mais abaixo), a propósito de mais um artigo "a pedido" que saiu na Pública, um suplemento que tinha interesse mas que se transformou na versão domingueira da Marie Claire.
Contudo, nem tudo se perdeu. Os últimos provedores têm dado bastante que ler, tal como as colunas de opinião que ainda conseguem atrair pessoas com algo interessante para dizer. O P2 tem alguma piada, mas eu receio que as pessoas não tenham tempo para o ler todos os dias. Acima de tudo, ainda aparecem artigos com substância, que se preocupam em analisar os fenómenos com profundidade e seriedade, deixando ao leitor a tarefa de decidir pela sua cabeça.
Enfim… a maioridade é um momento complicado da nossa vida. É a altura em que nos começamos a definir e isso gera dúvidas e receios. É nesses momentos que temos de pensar naquilo que somos, e sobretudo naquilo que não somos. E há coisas que não ficam nada bem no currículo:
(in Público 2/3/08, p. 47, o Provedor do Leitor, Joaquim Vieira)
A revista Pública dedicou há três semanas a capa e 11 páginas interiores ao norte-americano Tommy Hilfiger. Para os leitores menos familiarizados com a figura, Hilfiger criou uma marca de sucesso comercial no ramo das confecções, ao estabelecer certo conceito de imagem adoptado pela geração jovem. A própria reportagem considera que ele "não é tanto um designer de roupas, mas mais um vendedor de ideias e um homem de negócios". O artigo veio a propósito de um livro que o "homem de negócios" acabara de conceber e lançar internacionalmente (e em Portugal nessa semana). O volume, no formato de coffee table book, consiste numa antologia de emblemas gráficos da civilização ianque, aquilo a que nos EUA se chama Americana e que ao longo do tempo tem sido objecto de diversas abordagens editoriais (com a particularidade de o modesto Hilfiger se colocar a ele próprio entre as imagens dessa simbologia).
Os responsáveis do PÚBLICO são inteiramente soberanos nas suas opções editoriais, e não compete ao provedor pronunciar-se sobre elas (a não ser em caso de flagrante contradição com o Estatuto Editorial). Mas, de qualquer modo, tendo em conta a prática habitual e os meios do PÚBLICO, surpreende tão extensa cobertura do assunto, que implicou uma ida a Nova Iorque para o jornalista falar com o protagonista. Só que o motivo revela-se por uma frase no fim do texto: "O jornalista viajou a convite da Tommy Hilfiger." O jornal apenas publicou o trabalho sobre a personagem porque esta pagou a viagem e a estada ao repórter.
O método observa-se hoje com frequência na imprensa portuguesa: a oferta de deslocações a jornalistas, por empresas e instituições privadas, na ânsia de obterem cobertura noticiosa para as suas actividades. Um dos factores de sucesso na sociedade mediatizada em que vivemos consiste no grau de notoriedade pública alcançado (a extensão das referências nos media ao nome ou ao produto, mais do que o elogio das suas características), e há quem esteja disposto a pagar por isso. Alguns jornais não referem sequer o "pormenor" da oferta, mas o Livro de Estilo do PÚBLICO estabelece que quando "os jornalistas viajam a convite de empresas ou em comitivas oficiais [que o provedor coloca em categoria distinta da relativa às entidades privadas], esse facto deve ser referido de forma clara junto aos textos resultantes dessas viagens". (…)
andré
7 comentários:
É a invasão Espanhola... (ironia em realação à hispanofobia): o grupo Prisma.
As pessoas é que se convencem que os jornais propriedade de grandes grupos económicos são mais independentes que quando propriedade do Estado ou dos Partidos. Ingenuidade?
Sónia
Vá lá. Com jeitinho. E sem exageros…
Concordo com o problema da vinculação a grandes grupos económicos mas tenho uma discordância de fundo. No mundo de hoje, não faz sentido uma imprensa do Estado ou de partidos, pois esse não é o papel deles. Atenção, os partidos podem ter a imprensa que quiserem, mas ela tem a credibilidade que merece.
Contudo, o Estado e os partidos podem pugnar pela qualidade da imprensa, regulando o sector.
O problema é quando a regulação se transforma em intervenção e em censura.
Perante isto, a pergunta é: será esta obsessão do Estado com a imprensa é também uma resposta a uma excessiva manipulação dos media por parte dos grandes grupos económicos?
Se assim for, então alguém tem de sentar os meninos nas cadeiras outra vez porque senão ninguém se entende.
andré
Discordo. Creio que a informação faz parte do papel do Estado e dos grupos formadores de opinião (entre os quais os partidos), mais do que dos grupos económicos, embora nada tenha contra a iniciativa destes se como dizes e bem a liberdade e qualidade da informação é devidamente regulada.
Pese embora estas notas críticas acho que tens aqui um texto excelente.
A propósito de toda esta discussão lê:
http://sic.sapo.pt/online/noticias/mundo/20080302+Imprensa+espanhola+queixa-se.htm
Sónia
Pois…
Esse é o drama de toda a imprensa que ainda resiste a fazer das notícias espectáculo, coisa que por exemplo, a imprensa nos EUA já se resignou há muito.
É a luta que referi. E vai continuar.
andré
«A informação faz parte do papel do Estado»???? Já chegamos à Coreia do Norte?
evva
Coreia do Norte? "Are you talking to me?"
E que tenho eu a ver com a Coreia do Norte? Ainda se me acusares de apoiar o papel do Estado Cubano... Só que também há um problema com Cuba no cumprimento do mesmo: a falta de ... papel! Mas o Grama continua a sair à luz.
Agora a sério, acho que é função do Estado garantir o acesso à informação tal como à educação, ou à cultura, aliàs nem consigo dissociar estas ideias. Podemos é discutir se isso é feito por meios públicos ou privados. Não tenho preconceitos. Neste momento, saio à rua a defender a escola pública e nada tenho contra a privada ou cooperativa.
Sónia
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