quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O sarilho em que estamos metidos

Este texto poderia chamar-se “a ironia do destino” mas, se assim o fosse, iria assumir que era a politica externa americana a única e principal responsável pelo estado das coisas, o que não me parece uma conclusão muito séria. A actual situação internacional que vivemos é um pouco mais complexa.

Anteontem sonhei que eu e a minha mãe estávamos a ver mísseis e caças a passar por cima da minha casa a caminho da guerra. A cena era calma embora a situação aparentemente não o fosse. Nesse mesmo dia tinha lido um texto de Niall Ferguson, um historiador de Harvard, sobre uma guerra mundial eminente.
O clima de incerteza que paira sobre as nossas cabeças exige, acho eu, um pouco de calma, e não propriamente uma visão incendiária sobre uma realidade difícil e com consequências muito imprevisíveis.
Convenhamos, hoje temos consciência de que não só um toque num botão pode iniciar a destruição do mundo como também estamos (eu, pelo menos, estou) convencido de que essa destruição não se iria resumir apenas às potencias dominantes pois, infelizmente (ou se calhar felizmente) há demasiada gente envolvida nesta salgalhada.

Vejamos então. Os americanos estão mesmo entalados com esta dupla frente de problemas, a eleição do Hamas para governar a Palestina e a insistência do Irão (agora mesmo confirmada no Jornal das 9 da Sic Notícias) em enriquecer Urânio.
Ambas as situações não só vão contra os interesses americanos como põem em causa uma das base de suporte da sua diplomacia, a luta pela democracia, talvez o argumento com maior amplitude de consenso e que simultaneamente melhor servia a protecção das suas acções.
A desordem deve-se quer ao unilateralismo americano quer à fraqueza da posição europeia no panorama internacional mas também se deve ao facto de a ordem mundial não ser já dominada por estes dois parceiros. Vejamos cada uma das situações.

A invasão do Irão não é uma opção quer pela má figura que os americanos fizeram no Iraque como pelo possível aumento da instabilidade na zona. Contudo a pressão sobre o Irão está a ser feita em conjunto pela UE, pelos EUA, pela Rússia e China, o que não aconteceu no Iraque e que parece provar que a ameaça é para ser levada a sério mas também que nem a Rússia nem a China estão interessados numa intervenção no Irão. Na realidade ninguém está interessado em abrir guerra com o Irão: a China porque precisa do petróleo iraniano, e o resto do mundo pela mesma razão. Com o aumento da procura do ouro negro é melhor pensar duas vezes antes de entrar em guerra com um dos seus produtores.
Por outro lado, a Rússia está mais organizada, quer no controlo do seu armamento mas sobretudo no controlo da sua economia e das instituições que a dominam e que o Kremlin tem vindo, pouco a pouco, a controlar.
Sobre a China não há muito mais a dizer. O seu crescimento económico está, por um lado, a tornar o mundo dependente das suas importações de matéria prima e, por outro, a inundá-lo com a sua produção de preços baratos. O peso da sua diplomacia estendeu-se a todo um conjunto de países onde compra sem fazer perguntas nem exigências democráticas.
Para ajudar à festa, a América Latina está a atravessar uma série de mudanças naquele que parece ser um caminho na direcção do aumento da sua independência politica face ao “amigo” americano. Como se não bastasse tudo isto, países como a Índia e o Brasil, com posicionamentos políticos distintos do ocidente começam gradualmente a aumentar o seu peso politico mundial.
Ora, creio que nada do que aqui se disse era verdadeiramente improvável, embora confesso que ainda me surpreende (e ainda bem) a crescente independência politica dos países da América latina. Ou seja, o mundo está finalmente a crescer ao nível politico, como que na direcção de uns Estados Unidos da Terra, onde todos se têm de entender e respeitar, o que só pode ser bom.

O facto de os EUA estarem na posição que estão hoje é que me preocupa pois demonstra uma insistente incompreensão e desrespeito pela história e seus ensinamentos, como se meia dúzia de mísseis e um punhado de dólares resolvessem todos os assuntos.
Desculpem se pareço suspeito, mas compreendo e aceito melhor o problema europeu, pois nem sempre existiu alinhamento entre os países europeus e, com o alargamento, abriram-se por ventura algumas feridas da segunda guerra, quando parte da Europa aceitou entregar aos russos a outra parte que agora quer acolher no seu seio. E, claro, há a Turquia. E aí a coisa complica-se ainda mais. Enfim… há que aceitar que as coisas não são faceis…

A minha revolta face aos Estados Unidos deve-se a eu ter dificuldade em aceitar o facto de que o pais que mais avançou na aplicação da democracia tenha tanta dificuldade em a pôr em prática fora das suas fronteiras. A incapacidade que as administrações americanas têm em aceitar as diferenças culturais é impressionante, tal como o é o facto de não terem entendido ainda que o poder só leva a um caminho, à destruição. Puxa, eu pensava que a trilogia do Senhor dos Anéis e os novos episódios da Guerra das Estrelas tinham esclarecido todas as dúvidas.

Desde há uns anos que vejo os EUA como um adolescente que se revoltou contra o pai. Pois ele passou a mandar no pai. E na família toda. Mas continua a ser adolescente.
Daí que compreendi (embora me custe muito dize-lo) a posição daqueles que ficaram do lado dos EUA na guerra do Iraque. Como compreendi os outros que estiveram contra, embora as atitudes da França tenham enfraquecido muito esta posição.
Que raio de imagem, um idoso a tentar convencer um adolescente…

Em conclusão, não creio que os americanos saiam deste sem ajuda, e isso vai-lhes custar muito. E aos europeus também porque vão de uma vez por todas ter de assumir um futuro sem a protecção dos EUA. Tal como acontecerá provavelmente com grande parte da sua população idosa, a Europa vai ter de começar a tentar ser autónoma. Difícil. Bem difícil. Autónoma, não independente. Creio que não países independentes hoje.

Uma última nota. Os europeus ocidentais não se vão safar desta atacando os países de leste e, em geral, os países em desenvolvimento e a sua mão de obra barata. Cada um tem direito de se safar e eles estão a fazer o melhor que sabem e podem.
Se calhar não fazia mal investirem um pouco do seu tempo a tentar perceber como é que se pode encontrar uma alternativa para este sistema capitalista e a sua produção inconsumivel que nos está a destruir os recursos naturais, a inundar de dívidas, e a agravar diferenças entre as pessoas.
Mas isso só vai acontecer quando os europeus perderem parte do seu conforto. Aí, juntamente com os americanos, talvez se lembrem o que história lhes ensinou: para estarmos em paz, é melhor ceder parte do que temos a um vizinho que não gostamos, e assim garantir a paz, do que tentar fazer com que ele faça sistematicamente aquilo que nós queremos, e ganhar uma guerra contra ele.

andré

1 comentário:

Esplendor disse...

Bien venu! Só não concordo com esse optimismo face às recentes 'desorientações' em alguns países da América Latina. Por outro lado, o anti-americanismo nunca nos levou a lado algum, bem pelo contrário. Para o bem ou para o mal (mais para aquele do que para este, a meu ver), é o Tio Sam quem sempre nos acode em hora de aflição e equilibra o jogo da política interncional. Bisou.

evva