segunda-feira, fevereiro 27, 2006

ANDAR DE AVIÃO


Gosto muito de andar de avião. Mesmo muito.

Pensava que era pelas imagens. Para alguém fascinado pelas nuvens, estar ao lado delas é como estar em casa. E para quem anda com a cabeça no ar, estar no mesmo sítio onde a cabeça costuma estar é sem dúvida confortável.
Ainda não sei se prefiro ver um céu com ou sem nuvens. Ver a terra do ar é como uma imagem de satélite ou uma daquelas plantas de arquitectura paisagística. Mas as nuvens têm formas incríveis e sempre diferentes.
Mas já não passo assim tanto tempo a olhar para fora e o tempo a bordo é cada vez mais utilizado para ler, ouvir música, dormir ou até trabalhar.

Gosto muito de tudo o que tem a ver com andar de avião. Acho os aeroportos fascinantes. Quanto maiores são mais eu gosto deles. O movimento, as pessoas, a complexidade, os aviões, a luz, as mangas. É tudo muito diferente do nosso dia-a-dia.
O problema é que não conheço tantos aeroportos como gostaria e, para quem descola do Porto, Frankfurt torna-se uma passagem tão frequente que começa gradualmente a perder a piada. Ainda não conheço Heathrow nem o JFK, passei pelo Charles de Gaulle a correr e acho que vai demorar até ir aos alucinantes aeroportos asiáticos de Singapura, Tóquio ou Hong Kong.

Desculpem mas acho muita piada ao serviço de comida a bordo por muito fraco que seja. A Lufthansa tem uns copos de plástico muito elegantes, uma comida simpática e vinhos que se conseguem apreciar. Por isso não acho piada à Ryanair. Mas o que é que isso interessa quando se paga 50 euros por uma viagem a Paris?

Gosto da emoção da descolagem e da aterragem e fico com um sorriso completamente infantil quando, já no ar, vejo um avião a passar perto do meu. Esta situação não muito comum permite-nos apreciar melhor a velocidade e dá uma imagem estranha de um corpo imperceptivelmente suspenso no ar.

Mas o que mais me agrada é a sensação de sair e de me encontrar a seguir num sítio diferente. O facto de o fazer através de aviões e aeroportos só reforça ainda mais o meu fascínio de estar quase sempre no ar. A imaginar.

andré

sábado, fevereiro 25, 2006

Poema VIII

A pedido de várias famílias:

VIII

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se ao longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas...
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães,
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em rancho pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
«Se é que ele as criou, do que duvido» -.
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres».
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
..................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava,
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos
Vira uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
........................................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
.........................................................
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


Alberto Caeiro

evva

A arca do guardador de rebanhos

Quando me sentei hoje frente ao computador, a minha intenção era escrever algo que acalmasse a fúria provocada pelo visionamento do mais recente Spielberg e a sua retórica moralista. Mas mergulhei a fundo no espólio de Alberto Caeiro, disponibilizado esta semana no site da Biblioteca Nacional, «até me doerem os olhos», e ainda não consegui regressar à superfície...

Qual Munique!? Até deixei passar sem me importar a hora do lançamento do último livro de crónicas do Lobo Antunes na Fundação Eugénio de Andrade. Claro que procurei imediatamente o Poema VIII, demasiado longo, neste formato, para colocá-lo aqui no blog. Escolhi a página onde se encontram os últimos versos, o Poema IX, na íntegra, as duas primeiras estrofes do Poema X, outro dos meus preferidos, e a página seguinte, com as estrofes finais e os Poemas XI e XII. Deliciem-se.

evva

Brokeback Mountain, by Annie Proulx

Antes de ver o filme, leiam o conto, publicado pela primeira vez na New Yorker, em 1997. Vale a pena.

Para verem o que se perdeu na adaptação cinematográfica. destaco apenas um pormenor, a fazer toda a diferença. Depois de um afastamento de 4 anos, Jack e Ennis reencontram-se, acabando a noite num motel. It´s the intimate talk after sex: «Ennis pulled Jack's hand to his mouth, took a hit from the cigarette, exhaled.». Um andamento em três tempos, perfeito. A terminar num verbo que prolonga a frase numa respiração. Mas não me lembro de ver no filme de Ang Lee a acuidade em filmar estes pequenos detalhes que faz os grandes realizadores e que encontro sempre em Manoel de Oliveira, por exemplo, nomeadamente numa cena do Vale Abraão em que uma personagem acende um cigarro no de outra e que é um dos melhores momentos do seu cinema. Talvez Ang Lee não tenha tido tempo de se demorar nestes detalhes na sua ânsia de querer contar os 20 anos da relação de Ennis e Jack, e optou por passar rapidamente sobre pormenores que valeriam todo um filme. Mas eu gosto do cinema que se demora.

[link via Cinema2000]


evva

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

It takes two for tango el sur


Tango for two

óleo de Olga Sinclair (2001)

Este tango de Astor Piazzola, com letra do realizador Fernando Solanas, foi em tempos a banda sonora dos meus dias. É o meu tango preferido. Se bem que atravesso um momento lunar, como está um magnífico dia de sol no Porto dedico-o aos amigos a viver na cinzenta Europa central, a contar os dias para o regresso ao Sul:

El Sur

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo, con mi temor.

Llevo el Sur,
como un destino del corazon,
soy del Sur,
como los aires del bandoneon.

Sueño el Sur,
inmensa luna, cielo al reves,
busco el Sur,
el tiempo abierto, y su despues.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.

Te quiero Sur,
Sur, te quiero.

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo, con mi temor.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.
Vuelvo al Sur,
llevo el Sur,
te quiero Sur,
te quiero Sur...

Rua de Cima do Muro

José Paulo Andrade

Ruas do Porto

evva

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Os melhores diálogos do cinema II

Das muitas passagens que poderia destacar de Magnolia, obra-prima de Paul Thomas Anderson, esta conserva-se sempre na memória, mesmo involuntariamente, muito depois do filme ter terminado:

[singing along to Aimée Mann's "Wise Up"]

«Claudia Wilson Gator: It's not / What you thought / When you first began it / You got / What you want / Now you can hardly stand it though / By now you know / It's not going to stop

Jim Kurring: It's not going to stop / It's not going to stop / 'Til you wise up

Jimmy Gator: You're sure / There's a cure / And you have finally found it

Quiz Kid Donnie Smith: You think / One drink / Will shrink you 'til you're
underground / And living down / But it's not going to stop


Phil Parma: It's not going to stop

Earl Partridge: It's not going to stop / 'Til you wise up


Linda Partridge: Prepare a list for what you need / Before you sign away the deed / 'Cause it's not going to stop



Frank T. J. Mackey: It's not going to stop / It's not going to stop / 'Til you wise up / No, it's not going to stop / 'Til you wise up / No, it's not going to stop

Stanley Spector: So just... give up»

evva

P.S.: Há ainda aquela frase de Claudia, depois de ter saído com Jim, na que é para mim a melhor cena do filme. Uma actriz em estado de graça: «Now that I've met you, would you object to never seeing me again?». Foi inspirada na canção "Deathly" ("Now that I've met you / Would you object to / Never seeing / Each other again"), de Aimée Mann.

De tarde

Giorgio de Chirico

L'énigme de l'arrivée et de l'après-midi

(1911-1912)


evva

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Sem comentários

Eis o registo on-line do Ms. 2594 da Biblioteca Nacional de Viena, convenientemente intitulado "A historia dos cavalleiros da mesa redonda e da demanda do santo Graal". Atentem, por favor, no pormenor 'sprache...':


[1 Cod. 2594, Wien, Österreichische Nationalbibliothek

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1.1
Registereintrag & Text, A historia dos cavalleiros da mesa redonda e da demanda do santo Graal


Registereintrag & Text

Sprache: spanisch

Beziehung zum lit. Werk: Abschrift

GI-Sachtitel: A historia dos cavalleiros da mesa redonda e da demanda do santo Graal

Literaturgattung: Poetae et oratores hispani et lusitani]


evva

domingo, fevereiro 19, 2006

Contagem decrescente



O meu destaque vai para a retrospectiva do expressionismo alemão de Fritz Lang e Murnau. Espero conseguir sobreviver à legendagem em castelhano...

evva

P.S.: Amigos da mouraria, já sabem que podem pernoitar cá em casa.

sábado, fevereiro 18, 2006

As Portas do Paraíso II

Chema Madoz

[evva]

As Portas do Paraíso

Chema Madoz (s/t, 1992)

[evva]

Bahaus


Uma das minhas bandas favoritas de sempre actuou hoje no Porto. Confesso que não pensei sequer em reservar bilhete.

Deixei-me de lirismos há uns anos, depois de uma série de desilusões com bandas que actuam em Portugal já passado o prazo de validade. The Waterboys sem violino não são os Waterboys, entendem? Podiam ao menos ter arranjado alguém que substituísse o violinista naquele concerto do Hard Club... Foi a gota de água.

O tempo não volta atrás. Prefiro pôr a rodar os velhinhos discos de vinil e voltar a saltar bem alto com o Kick In The Eye, ou dançar o Bela Lugosi's Dead com aquele ondear com que o Peter Murphy nos interrogava no teledisco. Ou ainda gritar o The Passion Of Lovers até enrouquecer. Há letras que nunca se esquecem:

She had nut painted arms
That were hers to keep
And in her fear
She sought cracked pleasures
The passion of lovers is for death said she
Licked her lips
And turned to feather

And as I watched from underneath
I came aware of all that she keep
The little foxes so safe and sound
They were not dead
They'd gone to ground

The passion of lovers is for death said she
The passion of lovers is for death
The passion of lovers is for death said she
The passion of lovers is for death

She breaks her hear
Just a little too much
And her jokes attract the lucky bad type
As she dips and wails
And slips her banshee smile
She gets the better of the bigger to the letter

The passion of lovers is for death said she
The passion of lovers is for death
The passion of lovers is for death said she
The passion of lovers is for death
The passion of lovers is for death said she
The passion of lovers is for death
The passion of lovers is for death said she

evva

P.S.: Não trocava o meu mergulho a pique desta noite na filologia medieval pelo concerto dos Bahaus no Coliseu. Estarei a ficar velha? Alguém consegue imaginar o gozo enorme que é justificar a ausência de ressonância nasal no adjectivo 'boo' e argumentar com uma série de ocorrências em textos coevos? Indescritível!



Adenda: Ainda não descobri como se coloca música no blog, mas se quiserem vibrar com Peter Murphy e sus muchachos visitem o Queridos Anos 80, um blog que acompanho assiduamente (o que também é válido para os 0,0000000001% de infiéis que nunca ouviram falar dos Bauhaus... Cinquenta chibatadas ao som do She's In Parties!)

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

O elogio da Filologia


«um sentimento íntimo da vida da linguagem, um tacto fino e delicado no discriminar e apreciar os fenómenos, mesmo os que ao primeiro exame parecem mais subtis, estranhos e contraditórios»

Elogio académico do Professor José Joaquim Nunes, Gustavo Cordeiro Ramos, antigo ministro da Educação Nacional, 27 de Fevereiro de 1937


evva

A irrelevância de muitos Mestrados dava uma óptima Tese de Doutoramento

A ler: Mestrado em Irrelevância, por Rui Ângelo de Araújo, n' Os Canhões de Navarone.

Um dia, quando se redigir a história do ensino superior português na alvorada do século XXI, ficará registado como, por motivos de sobrevivência e escassez de alunos de licenciatura, pulularam neste país pós-graduações e mestrados absolutamente medíocres.

Pior: as gerações vindouras conseguirão compreender como se poderá recusar uma Dissertação de Mestrado sobre Filosofia ou Narrativa Medievais para creditação na carreira docente do Ensino Não-Superior, com base no argumento único e inquestionável de que o Mestrado se intitulava 'História e Cultura Medievais' e nada disso contribui para a valorização científica e pedagógica de professores de português e filosofia do ensino secundário, e se continue a aceitar, para os mesmos grupos disciplinares, a creditação de Dissertações em Administração, Estatística, Ciências da Educação (se alguém me conseguir explicar o que significa, agradeço; eu que estou há mais de um década no ramo ainda não consegui perceber...), "A angústia (ou falta dela) do cábula antes do teste de avaliação", ou "Mil e uma maneiras de passar de ano os alunos preguiçosos para melhorar as estatísticas de 'sucesso educativo' "...?


Ou ainda: como compreender que se aprovem (por vezes com Muito Bom, quando essa classificação existe) certas Dissertações de Mestrado ou Teses de Doutoramento fraquíssimas só porque o candidato em causa é docente da casa (apesar do arguente não o ser, eu sei) e, coitado, tem de defender depressa a tese ou então, coitadinho, vai para a rua...? Já agora, alguém me explica o que é o Português Arcaico Médio?


As Instituições portuguesas de Ensino Superior, sobretudo as Faculdades de Letras, têm de repensar com urgência a sua função e estratégia e questionar se serão ou querem ser meros redutos de formação de professores para o desemprego ou preferem tornar-se centros de excelência, de investigação, defesa e publicação de um saber que é a pedra angular da formação de qualquer indivíduo.


Nada melhor do que os medievais para nos recordarem, lá dos confins da sua Tenebrosa Idade, o que um intelectual que se preze devia valorizar, sempre:


«Somos anões aos ombros de gigantes: vemos mais longe».


evva

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Philologia


«para mim, filologia tem verdadeiramente coincidido com busca da verdade num sentido total, absoluto, na vida mais ainda que nos textos literários»

Luciana Steggagno Pichio
A Lição do Texto. Filologia e Literatura. I A Idade Média, Edições 70, Lisboa, 1979

evva

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Esplendor

Ver-te é como ter à minha frente todo o tempo
é tudo serem para mim estradas largas
estradas onde passa o sol poente
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar
se o tempo existe se existiu alguma vez
e nem mesmo meço a devastação do meu passado.

Ruy Belo

[evva)

É triste, muito triste, o politicamente correcto deste país

"Gaspar Castelo-Branco – foi decidido esquecê-lo

Com este título, o hoje moribundo jornal “O Semanário”, nomeava Gaspar Castelo-Branco como a figura nacional do ano de 1986.

Era Director-Geral dos Serviços Prisionais quando, a 15 de Fevereiro de 1986, véspera da segunda volta das eleições presidenciais, foi assassinado pelas FP-25 Abril com dois tiros na nuca. Foi o mais alto cargo dirigente do Estado a ser vítima de um brutal e cobarde ataque no pleno exercício das suas funções.

Nessa altura, os terroristas das FP-25A, por excesso de tolerância e decisão política, estavam em regime de cela aberta e misturados com presos de delito comum. Após a fuga de um grupo dos mais perigosos terroristas da Penitenciária de Lisboa, em Setembro de 1985, impôs medidas e condições duras de isolamento e separação entre reclusos. Estas eram contestadas pelos terroristas com uma pretensa “greve da fome”. Não cedeu. “Em países ocidentais os governos não cedem às greves da fome e pouca importância lhes dão” dizia. Mas por cá, era constantemente pressionado pela Comissão Parlamentar de Direitos Liberdades e Garantias, em particular por alguns deputados socialistas, bem como alguns movimentos cívicos de duvidosa parcialidade, mas que obtinham ainda assim algum eco na imprensa.

Perante as críticas da comunicação social e dos ditos movimentos, o Ministro da tutela, Mário Raposo, declinava responsabilidades encaminhando-as para o seu director-geral, como se a orientação deste não fosse tomada de acordo com o próprio Ministro. O culpado seria o Director-Geral. Perante a demissão dos seus superiores hierárquicos e o silêncio imposto pelo governo, Gaspar Castelo-Branco assumiu as responsabilidades, que verdadeiramente não lhe cabiam, em circunstâncias particularmente difíceis. Só isso fazia sentido: por personalidade era um homem corajoso e frontal com um enorme sentido do dever e do bem público. Tornou-se o bode expiatório e pagou-o com a vida.

O Governo acobardou-se e quinze dias após o seu brutal assassinato, os presos retomaram a cela aberta durante o dia, apenas fechada durante a noite. Conforme escreveu na altura José Miguel Júdice, parecia que afinal o assassinato teve uma justificação e uma razão de ser.
A partir desse dia, o País apercebeu-se que o terrorismo era uma ameaça real. Nos dias seguintes, Cavaco Silva, então primeiro-ministro, mudou-se com a família para a residência oficial em São Bento. Todos os ministros, sem excepção, passaram a andar com guarda-costas e escoltados por vários seguranças pessoais. Os juízes e procuradores do processo FP-25A passaram a ser guardados dia e noite, pernoitando, às vezes, em locais alternados e sempre secretos.

Apesar disso o Presidente da República em exercício Ramalho Eanes ou o recém-eleito Mário Soares não estiveram presentes no enterro tal como faltou o primeiro-ministro Cavaco Silva. Não houve um gesto visível de apoio público à vítima pelos seus superiores hierárquicos e membros dos órgãos de soberania. Curiosamente, nesse mesmo mês, na vizinha Espanha, um agente da Guardia Civil era assassinado pela ETA. O seu funeral teve honras de estado e contou com a presença de Felipe Gonzalez e Juan Carlos.

“Se me derem um tiro, como reagirão os defensores dos direitos humanos, os mesmos que pretendem condições mais brandas para os terroristas?” - afirmava numa entrevista a um jornal 15 dias antes de morrer. A verdade, é que a sua profecia se realizou e não houve um único acto de repúdio público aos ditos movimentos.

Em Outubro do mesmo ano começava o julgamento da organização. O maior fracasso do Estado de Direito do Portugal democrático. Não conseguiu condenar quem contra ele atentou.

Mário Soares, com uma visão muito própria sobre a justiça, preferiu primeiro indultar e depois amnistiar as FP-25A com total passividade do governo PSD. Preferiu cumprimentar Otelo Saraiva de Carvalho após a sua saída da prisão e recusou uma legítima condecoração, proposta pelo governo, para o mais alto funcionário do Estado a cair no cumprimento do seu dever no Portugal democrático. Para ele, as vitimas e as suas famílias eram um pormenor desagradável num processo que queria resolver politicamente.

O tempo pode atenuar a dor de um filho, mas não apaga a vergonha que o País sente por não ter sido feita justiça: os assassinos não cumpriram a pena, apesar de julgados e condenados em tribunal, e as vítimas foram esquecidas.

[Manuel Castelo-Branco]"


evva

Doctor Subtilis


JOHN DUNS SCOTUS (1265-1308), um dos mais 'difíceis' filósofos da Escolástica, cuja complexidade muitos apelidaram de apurada subtileza. Escutêmo-lo:
«Todo o filósofo estava certo de que o que postulava como primeiro princípio era um ser; por exemplo, um estava certo e que o fogo era um ser e outro de que a água era um ser. Mas não estava certo de que era um ser criado ou incriado, primeiro ou não-primeiro. De facto, não estava certo de que era primeiro, pois então estaria certo de algo falso e o falso não é susceptível de saber rigoroso. Nem estava certo de que fosse um ser não-primeiro, porque então não teria postulado o oposto.
Este primeiro argumento é confirmado da seguinte maneira: Alguém, vendo os filósofos discordarem entre si, pode estar certo de que o que quer que seja que qualquer um deles postulou como primeiro princípio é um ser. No entanto, por causa da contrariedade das opiniões dos filósofos, poderia duvidar se o primeiro princípio é este ou aquele ser. Se se fizesse, para tal pessoa em dúvida, a demonstração conclusiva ou refutativa de algum destes conceitos inferiores, por exemplo, de que o fogo não é o ser primeiro, mas um determinado ser posterior ao ser primeiro, não se destruiria o primeiro conceito certo que esta pessoa teve [de que é um ser], mas tal conceito ainda se encontraria no conceito particular que fosse provado do fogo. Assim prova-se a proposição suposta na última consequência deste argumento, isto é, que o conceito que de si não é nenhum dos dois conceitos duvidosos encontra-se em ambos.» Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1 (tradução de C. A. Nascimento e R. Vier).

[Subtilezas destas conseguem dar um 'nó escolástico' no raciocínio mais exercitado...]

evva

Calendário

O fabuloso Calendário 2006 da Federação Portuguesa de Hóquei



Direcção artística, fotografia e design de Armando Vilas Boas.


evva

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor


agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente


lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor


valter hugo mãe

O Resto Da Minha Vida seguido de A Remoção das Almas (2003)
Porto, Cadernos do Campo Alegre

[evva]

mistério de ambos em cada criatura

Como recebeu ela Adão?
Despojou-o,
e o desflorou, ajudando?

Adão, brutal ou terno?
Acometeu, cervo
ou foi penetrante andorinha?

Arrancou de si
sementes, o coração
latindo, cão grato?

Felizes, torturantes,
aprendizes, falsos,
sortílegos, infames?

Inteiraram-se um no outro?
Desejaram a morte
de quantos séculos?

António Osório

[evva]

Frases inaugurais, em Português

No Geração-Rasca, aberturas memoráveis da ficção em língua portuguesa. Eis algumas das minhas favoritas, numa lista alternativa:

«Aqui o mar acaba e a terra principia»
do meu romance preferido de Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984)

«Começou por me dizer que o seu caso era simples - e que se chamava Macário...»
Singularidades de Uma Rapariga Loura, Eça de Queirós

«Muitas vezes, pela tarde, quando o Sol, transpondo a baía de Carteia descia afogueado para a banda de Melária, dourando com os últimos esplendores os cimos da montanha piramidal do Calpe, via-se ao longo da praia vestido com a flutuante estringe o presbítero Eurico, encaminhando-se para os alcantis aprumados à beira-mar.»
Eurico o Presbítero (1844), de Alexandre Herculano, páginas que agitaram a minha imaginação adolescente e fixaram para sempre uma paixão desmedida e incurável pela Idade Média

«Vespera de Pinticoste foi grande gente asũada em Camaalot, asi que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas»
Demanda do Santo Graal (anónimo, séc. XIII)

«Fecharam os telhais.»
Esteiros (1941), de Soeiro Pereira Gomes, o neo-realismo poético

Mas a abertura que elejo como a melhor de sempre de um romance em língua portuguesa é de Fernando Assis Pacheco, em Trabalhos e Paixões de Benito Prada (1993). Não resisto a transcrevê-la na íntegra, só ela dava um romance inteiro:
«Quando o Padeiro Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeiteara a irmã, em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara para as empanadas da festa de San Bartolomé.
O irmão do meio encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.
"Caramba", disse o irmão do meio, que admirava todas as invenções do mais velho, "é à segoviana!".
"Mas não lhe pões o dente", cortou o outro.
Entretanto o mais novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro Velho. Este cuspiu enojado e decretou:
"É tudo para os cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo senão no inferno".
Se perguntassem ao Padeiro Velho o que mais queria naquelo momento, teria respondido:
"Assar-lhe até a memória"»

evva

P.S.: Quis incluir também as primeiras linhas do Finisterra (1978), de Carlos de Oliveira, mas não o encontrei. Se alguém não se importar de mo devolver, agradeço desde já.

São Valentim

Cativos do consumismo, não se esqueçam dos presentes. Eis algumas sugestões, bem a propósito:

Chema Madoz (sem título, 2001)


Chema Madoz (s/t, s/d)

evva

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Frases inaugurais

A American Book Review elenca as cem melhores aberturas de romance do Cânone Ocidental. Se bem que qualquer lista deste tipo é pródiga em omissões, sobrevalorizações várias e inclusões discutíveis, constatei com agrado que a minha favorita de sempre ocupa o quarto lugar:

«Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo.» Cem Anos de Solidão (1967), Gabriel Garcia Márquez.

Se bem que o 33º lugar de Gertrud Stein a tenha colocado no 1º da minha lista de compras:

«Once an angry man dragged his father along the ground through his own orchard. "Stop!" cried the groaning old man at last, "Stop! I did not drag my father beyond this tree."» The Making of Americans (1925).

evva

domingo, fevereiro 12, 2006

Já é oficial


No próximo Verão, mais um sobrinho/a. Iupi!

evva

P.S.: Ou muito me engano, ou este/a já nasce a falar latim. São os ares da serra.

Para o André

Já posso dizer? Já posso dizer? Só lamento não conseguir utilizar caracteres especiais para respeitar a ortografia, mas a pronúncia é esta:

Veels geluk met jou verjaarsdag! (Afrikaans)

Urime ditelindjen! (Albanês)

Taredartzet shnorhavor! ou Tsenund shnorhavor! (Arménio)

Eida D'moladukh Hawee Brikha! (Assírio)

Ois guade winsch i dia zum Gbuadsdog! (em Viena de Áustria)


Suma Urupnaya Cchuru Uromankja! (na Bolívia)

Ad gunun mubarek! (no Azerbeijão)

Shuvo Jonmodin! (no Bangladesh)

Maogmang Pagkamundag! (nas Filipinas)

Deiz-ha-bloaz laouen deoc'h! (Bretão)

Chestit Rojden Den! (Búlgaro)

Som owie nek mein aryouk yrinyu! (no Cambodja)

Per molts anys! Bon aniversari! Moltes Felicitats! (Catalão, o meu preferido)

Sun Yat Fai Lok! (Cantonês)

qu ni sheng er kuai le (Mandarim)

San ruit kua lok! (em Shangai)

Sretan Rodendan! (Croata)

Vsechno nejlepsi k Tvym narozeninam!! (Checo)

Tillykke med fodselsdagen! (Dinamarquês)

Ne gelukkege verjoardach! (em Antuérpia)

Fan herte lokwinske! (na Frísia)

Happy Birthday! (esta não preciso dizer!)

Felichan Naskightagon! (Esperanto)

Palju onne sunnipaevaks! (na Estónia)

Zorionak zure urtebetetze egunean! (Euskera, um dia ainda irei descobrir donde veio esta língua...)

Tillukku vid fodingardegnum! :) (Ilhas Faroë)

Joyeux Anniversaire! (Se não sabes esta...)

Lá breithe mhaith agat! Co` latha breith sona dhut! Breithla Shona Dhuit!
(Gaélico irlandês)

Co` latha breith sona dhuibh! (Gaélico escocês)

Ledicia no teu cumpreanos! (Galego... mas isso existe?)

Gilotcav dabadebis dges! (na Geórgia)

Ois Guade zu Deim Geburdstog! (na Baviera)

Allet Jute ooch zum Jeburtstach! Ick wuensch da allet Jute zum Jeburtstach! (em Berlim)

Es Muentschi zum Geburri! (em Berna)

Ewllews Gewtew zewm Gewbewrtstewg. Mew! (Alemão 'Camelottisch'; pronto, foi daqui que veio o rei Artur)

Haerzliche Glueckwuensche zum Geburtstag! (no Lichtenstein)

Alles Gute zum Geburtstag! (Alemão)

Eytyxismena Genethlia! Chronia Pola! (Grego)

Janma Divas Mubarak! (Gujarati, Índia)

Saal Mubarak! (Gujarati, no Paquistão, já se sabe que não é bem a mesma coisa...)

Vy-Apave Nde Arambotyre! (Guarani, mas sem aqueles desenhos assustadores da GM)


Hau`oli la hanau! (no Hawai)

Yom Huledet Same'ach! (Hebreu)

Janam Din ki badhai! or Janam Din ki shubkamnaayein! (Hindu)

Boldog szuletesnapot! or Isten eltessen! (Húngaro)

Til hamingju med afmaelisdaginn! (na Islândia)

Selamat Ulang Tahun! (Indonésio)

Buon Compleanno! (Italiano)

Bun Cumpleani! (Piemontês)

Otanjou-bi Omedetou Gozaimasu! (Japonês)

Slamet Ulang Taunmoe! (Ilha de Java)

Voharvod Mubarak Chuy! (em Cachemira)

Tughan kuninmen! (no Cazaquistão)

Saeng il chuk ha ham ni da! (Coreano)

Rojbun a te piroz be! (Curdo)


Tulgan kunum menen! (na Quirguízia)

Fortuna dies natalis! (Latim!)

Daudz laimes dzimsanas diena! (Letão)

Sveikinu su gimtadieniu! Geriausi linkejimaigimtadienio progal! (Lituano)

Vill Gleck fir daei Geburtsdaag! (au Luxembourg)

Sreken roden den! (na Macedónia)

Selamat Hari Jadi! (Malásio, o Sandokan diria assim...)

Nifrahlek ghal gheluq sninek! (Maltês, do Gato e do Corto)

Kia huritau ki a koe! (Maori)

mo swet u en bonlaniverser! (na Mauritânia)

Leleng ambai pa mbeng ku taipet i! (na Papoa, Nova Guiné)

Torson odriin mend hurgee! (Mongol)

bil hoozho bi'dizhchi-neeji' 'aneilkaah! (Navajo)

Janma dhin ko Subha kamana! (no Nepal)

Gratulerer med dagen! (Norueguês)

Masha Pabien I hopi aña mas! (nas Antilhas Holandesas, muito curioso...)

Padayish rawaz day unbaraksha! (Afegão)

Tavalodet Mobarak! (Persa)

Wszystkiego Najlepszego! Wszystkiego najlepszego zokazji urodzin! wszystkiego najlepszego z okazji urodzin! (Polaco)

Janam din diyan wadhayian! (no Punjab)

La Multi Ani! (Romeno)

S dniom razhdjenia! Pazdravliayu s dniom razhdjenia! (Russo)

Ravihi janmadinam aacharati! (Sânscrito, que fique registado em acta que um dia vou aprender esta língua)

Achent'annos! Achent'annos! (na Sardenha)

Vill Glück zum Geburri! (na Suíça germânica)

Srecan Rodjendan! (na Sérvia)

Vsetko najlepsie k narodeninam! (Eslovaco)

Vse najboljse za rojstni dan! (Esloveno)

Feliz Cumpleaños! (por supuesto!)

Suba Upan dinayak vewa! (no ex-Sri Lanka)

Wilujeng Tepang Taun! (no Sudão)

Mi fresteri ju! (no Suriname)

Hongera! or Heri ya Siku kuu! (Swahili)

Grattis på födelsedagen (em Sueco, para ires treinando, se precisares)

San leaz quiet lo! (Taiwan)

Piranda naal vaazhthukkal! (Tamil)

Suk San Wan Keut! (Thai)

Droonkher Tashi Delek! (o Dalai Lama diria assim, é tibetano)

Dogum gunun kutlu olsun! (Turco)

Mnohiya lita! or Z dnem narodjennia! (Ucraniano)

Chuc Mung Sinh Nhat! (Vietnamita)

Penblwydd Hapus i Chi! (Galês)

A Freilekhn Gebortstog! (Yiddish)

Eku Ojobi! (Nigéria)

Ilanga elimndandi kuwe! (Zulu)


Feliz Aniversário! Um grande beijinho de Parabéns.

evva

Instantâneos de uma manhã de Domingo em Serralves

Com um sol quase primaveril, apetece saltar da cama bem cedo e ir inspirar liquidâmbares, castanheiros-da-índia (afinal, parece que são originários da Bulgária, os fingidos), pinheiros mansos, roseiras... O meu preferido continua a ser aquele carvalho que uma enorme muleta ajuda a sustentar, logo após o Lago Romântico e antes de se iniciar o prado da Quinta do Mata-Sete (foto não-disponível; a autora destas linhas ainda não chegou à era da fotografia digital).


O prado da Qinta do Mata-Sete. Hoje pastava por lá uma égua sossegada


Uma remodelação recente, restituiu o ornamento original do 'jardim formal'

Beberiam os pombos esta água no tempo de Jacques Gréber, o arquitecto paisagista responsável pelo projecto dos jardins?

Roseiras suspensas no Inverno

Demora muito, a Primavera?

evva

P.S.: Todas as fotos são emprestadadas. Aos autores, Merci.

sábado, fevereiro 11, 2006

Os melhores diálogos do cinema

Johnny Guitar - How many man have you forgotten?
Vienna - As many woman as you've remembered.
Johnny Guitar - Don't go away.
Vienna - I haven't moved.
Johnny Guitar - Tell me something nice.
Vienna - Sure. What do you want to hear?
Johnny Guitar - Lie to me. Tell me all these years you've waited. Tell me.
Vienna - All these years I've waited.
Johnny Guitar - Tell me you've died if I hadn't come back.
Vienna - I would have died if you hadn't come back.
Johnny Guitar - Tell me you still love me like I love you.
Vienna - I still love you like you love me.
Johnny Guitar - Thanks. Thanks a lot.

Jonny Guitar, Nicholas Ray (1954), um dos filmes da minha vida.


evva

Estou indecisa

Não sei se faça bolo de chocolate ou mousse de manga...

Chema Madoz (sem título)

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

FOTOGRAFIA CONCEPTUAL

Chema Madoz (Madrid, 1958) e o instante poético da fotografia




evva

De luto

Apesar de não visitar a ‘Joana’ há algum tempo, foi com tristeza que li a notícia da sua morte. O Semiramis há muito que fazia parte da minha lista de favoritos e tenho alguns textos da Joana impressos ou gravados numa pasta. Como alguém acertadamente disse num dos inúmeros posts e comentários que se têm escrito, muitos dos textos da ‘Joana’, para serem convenientemente lidos, tinham que ser impressos. Escrita muito cuidada, complexa por vezes, mas sempre de leitura indispensável. Aqui fica o link, para os que quiserem visitá-la e lê-la. Espero que rapidamente se concretize o livro que reúna os seus posts. Até sempre.

evva

Brokeback




Não é um grande filme. Realização limpa e acabada, um tanto ou quanto envergonhada, nada de novo. Havia necessidade de tanto pudor? Não me surpreendeu. Depois de Sensibilidade e Bom Senso (1995) e Tempestade de Gelo (1997), Ang Lee deixou de me interessar. Heather Ledger arrasta penosamente o seu underacting, sem conseguir explorar o conflito de quem hesita em assumir-se (sim, chora convulsivamente, sim, casa-se, sim, divorcia-se, sim, bebe demasiado, sim, é agressivo, sim, tem um flirt ocasional com uma mulher, so what?). A vulnerabilidade de Jake Gyllenhaal é bem mais convincente, no olhar donde vai desaparecendo a frescura da juventude. Mas tudo é tão ténue que, às tantas, desejamos que o filme acabe, pois já adivinhamos onde tudo aquilo nos leva. Não devia ser assim. Um bom filme nunca queremos que termine, pode agredir-nos com murros no estômago, tirar-nos o tapete e abandonar-nos diante de precipício e múltiplas emoções que, no final, desejamos sofregamente passar pelo mesmo calvário. Talvez nas mãos de um outro realizador tudo fosse diferente. Quando estreia o próximo Clint Eastwood?

evva

P.S.: Se não se tratasse de um love affair homossexual atrairia tantas atenções?

Adenda: Que o que acima ficou dito não dissuada ninguém de ver o filme. Trata-se de um filme mainstream e que não vale mais do três estrelas, mas é só uma opinião pessoal.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

O FIM DA CARICATURA

Os dados estão lançados e só o tempo dirá o resultado desta Crise Caricatural. Nos últimos dias foram publicadas várias notícias onde é visível o enorme grau de instrumentalização em torno desta situação. O problema passou a ser completamente diplomático.

Os governos da Argélia e da Síria suspenderam a proibição às manifestações para que o povo pudesse reagir contra os cartoons. Na Dinamarca, há um Imã a promover manifestações em países árabes contra os desenhos. Em França, o jornal satírico Charlie Hebdo vai publicar novamente os cartoons e vai acrescentar uns novos. Para nos reconfortar, o seu director diz que depois vai publicar uns sobre o holocausto.
O que é que isto interessa?

Não interessa nada.
Há, houve e haverá imensos livros, jornais, sites, etc. que ofendem profundamente as mais diversas posições, religiosas ou não. Na maioria dos países ocidentais, essa liberdade de expressão é respeitada. Na maioria dos países árabes, tal como em muitos países asiáticos, não.

Eu insurjo-me perante os cartoons não porque sou contra a liberdade de os publicar mas porque ao fazê-lo desta forma se está a defender a liberdade de expressão através da opressão e da defesa de uma suposta superioridade cultural. O facto de os governos europeus não se conseguirem opor a isto é para mim um sinal de perigo.

Tempos houve em que os Muçulmanos eram “superiores” a nós. E nós aprendemos com eles. A história é assim, umas vezes dominamos nós, noutras somos dominados. Contudo, o poder no mundo actual está cada vez mais repartido. Temos de nos habituar a isso. Pessoalmente, acho isso bom.

Mimosas


Sim, eu sei que é uma espécie invasora infestante, que põe em causa a diversidade dos ecossistemas (já se fabricam herbicidas para controlá-la e foi ordenada a sua eliminação no Alto Douro Vinhateiro, por decreto governamental...), que se propaga habitualmente nas necrópoles abandonadas com sete palmos de cinzas que são as nossas florestas, mas esta visão dourada ilumina as minhas manhãs e grita-me que a Primavera se aproxima.

evva

P.S.: Há um ano, foi com elas que enfeitei o bolo de aniversário da mãe do Francisco, naquele dia nefasto da maioria absoluta socialista. Espero que o aniversário deste ano seja bem mais festivo. :)

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

A CARICATURA SOMOS NÓS – parte II

Escrever num blog é muito gratificante. As respostas que recebemos transmitem uma maior sensação de responsabilidade sobre o que escrevemos. E é precisamente este o cerne do problema dos cartoons.

Na página 5 do Público de sexta-feira, 3 de Fevereiro, há uma pequena entrevista de 3 perguntas a Torgen Seidenfaden, director do “jornal dinamarquês de referência” Politiken, que esclarece muitas das dúvidas que eu tinha. A história conta-se assim:

Primeiro. No verão de 2005, um polemista dinamarquês, Kaare Bluitgen, “conhecido pela sua islamofobia”, queixa-se que “um ou dois desenhadores se tinham recusado a fazer as ilustrações” do seu livro, destinado à juventude, e que descreve Maomé como um criminoso e um pedófilo. Sem confirmar a veracidade dos factos, um outro jornal, Jyllands-Posten, noticia que as recusas se deviam a supostas auto-censuras derivadas do medo que os desenhadores tinham de ofender os muçulmanos. Estes, de acordo com o editorial do jornal, terão de aprender que a liberdade de expressão implica “desafiar, blasfemar e humilhar” o Islão.

Segundo. Em Outubro, o primeiro ministro Anders Fogh Rasmussen recusa encontrar-se com 11 embaixadores árabes que queriam protestar e pedir sanções contra o Jyllands-Posten. Torgen Seidenfaden defende que foi o facto de a maioria parlamentar do governo depender do Partido do Povo Dinamarquês, de extrema direita, que ditou a recusa.

Eu deixo aos leitores a liberdade de entenderem o que quiserem. Parece redundante dizer isto, mas por detrás desta afirmação reside a necessidade de sermos responsáveis por aquilo que dizemos e a aceitação de que há quem pense que essa liberdade não deveria existir.

andré

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Coisas com sentido



Este sorriso...
o ver-te crescer a cada segundo, num espanto indizível de regozijo por cada coisa nova que fazes,saber que estás feliz quando começas a adormecer e transmites toda a inocência do mundo, preocupar-me com cada suspiro mais fundo, doer-me o coração por cada lágrima tua, mesmo que "seja por nada"...
este sorriso e tantos, tantos que tu me dás
fazem tudo parecer tão simples e belo
como tu, meu filho Rafael
Isabel Sofia

A LER COM ATENÇÃO

Liberdade Instrumental, por Eduardo Pitta.

evva

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Soneto














ESPLENDOR NA RELVA

Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo

O Bosque Sagrado
(colectânea de poemas sobre cinema)


evva

sábado, fevereiro 04, 2006

Boas surpresas de uma noite de insónia



















If I Should Fall From Grace With God: Dogville

Ou como o poder transforma e a generosidade é relativa. Dogville não obteve a graça, apesar dela ter ido bater à sua porta. Arrebatador.

evva

A Caricatura somos nós

Aceitar que sejam questionadas certas coisas não nos deve impedir de aceitar que haja quem não permita que tal aconteça.
Mas para isso temos de alterar a nossa ideia peregrina de que somos mais evoluídos para aceitarmos que somos apenas diferentes.
A polémica dos cartoons só existe porque quem se insurgiu nos mete medo. Se tal não acontecesse nem sequer pensávamos que, com a nossa liberdade de expressão, podíamos estar a oprimir alguém.
A publicação dos cartoons em jornais de referência é legítima e estou disposto a defender o direito de uma pessoa a fazê-lo. Mas é simultaneamente uma verdadeira estupidez pois é uma tentativa de demonstrar a superioridade de uma cultura. O mesmo que o Sr. Bush quer fazer com o Iraque e com o Médio Oriente em geral. Esta pode não ser a perspectiva de quem fez ou publicou os cartoons mas é uma perspectiva que cada vez mais tem de ser tida em conta.
O mundo em que vivemos aumentou no tamanho e na diversidade. Creio que precisamos de parar para pensar um pouco.

andré

PS: pode ser que agora se comece a entender um pouco melhor o 11 de Setembro.

PS2: alguém me pode explicar porque é que só agora estalou a polémica de uns cartoons publicados em Setembro?

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Os cartoons da polémica II















Women censorship. Todos as imagens aqui.

evva

Casamento II

Tudo o que gostaria de dizer sobre o assunto, foi escrito aqui pelo Eduardo Pitta. Quanto ao direito de adopção por casais homossexuais, que, ao contrário do casamento, tem sido apenas referido ao de leve, e correndo o risco de me repetir, nada tenho a acrescentar ao que escrevi no Alias: «Perdoem-me todos os que comigo discordam, mas considero a oposição à possibilidade de homossexuais adoptarem crianças um mero preconceito. Sou totalmente a favor. Casais homossexuais há que seriam melhores educadores que muitos casais 'tradicionais'. Por acaso as instituições responsáveis pela adopção questionam a orientação sexual dos futuros pais? E não há por aí tanto homossexual reprimido a ficcionar uma família tradicional e a projectar nos filhos as suas frustações? O que importa para uma criança é crescer rodeada de afecto sincero e respeito mútuo, numa família equilibrada. Quantos casais tradicionais aparentemente felizes e estáveis são, se aprofundarmos, disfuncionais? Acabe-se de vez com o preconceito de que um homossexual projecta a todo o momento a sua orientação sexual sobre os demais e haja coragem para um esforço legislativo que nos obrigue a todos a tirar a máscara do cinismo, do falso moralismo e do politicamente correcto».

Tenho dito.

evva

P.S.: Com pena minha, todo este alarido, e muito por culpa de quem nos governa, não me parece que vá mudar seja o que for.

P.S.2: E volto a repetir o termo 'preconceito' com toda a convicção.

Os cartoons da polémica
















O meu preferido.

evva

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Casamento

Há muita gente que sonha em casar, na partilha de um projecto de vida, na criação de uma família, de um lar, com ou sem filhos. Há muita gente que gostaria de juntar os trapos e viver em união. Pela igreja, pelo civil, com os amigos todos ou numa ilha quase deserta. Casar parece-me ser antes de mais um enorme desejo de partilha, com afecto ou sem ele.
Ainda hoje podemos assistir à prática secular dos casamentos por conveniência, e não falo apenas nas classes mais ricas. Há quem case para conseguir um visto de residência ou porque o outro é a melhor pessoa para garantir a subsistência dos filhos ou do nível de vida, ou porque simplesmente não quer ficar sozinho. Deve haver muitas razões para duas pessoas se casarem. Mas convenhamos, aquilo que quase todos desejamos e queremos é que a partilha do amor entre duas pessoas seja a principal conveniência de um casamento.
Desde há uns anitos (muito grandes) que o valor dominante na Europa e no mundo ocidental censura o casamento entre mais do que duas pessoa, pois isso seria institucionalizar a poligamia o que, de acordo com os nossos valores, é um comportamento incorrecto. Não creio que seja arriscado dizer que este valor provém em grande medida da moral judaico-cristã que domina muitos dos nossos comportamentos como também o entendimento que temos dos mesmos.
A moral judaico-cristã reprovou durante muito tempo o divórcio, contudo, com o passar dos tempos, essa moral deu lugar a uma outra, a do respeito pela vontade de cada um e pelo reconhecimento de que o amor, em alguns casos não dura para sempre (acho que muitos de nós ainda temos dificuldade em aceitar este facto), e de que, assim sendo, os laços não podem ser permanentes.
O casamento é um daqueles casos em que a moral e a escolha individual convivem muito bem, isto porque as decisões do casal não embatem com as escolhas da restante sociedade nem põem em causa valores essenciais como a vida ou a morte, a saúde ou a segurança. A responsabilidade é apenas dos dois.
O facto de nós entendermos isto e não nos pormos a pensar em ser polígamos ou seguir qualquer outra moral cultural é para mim uma prova de que a nossa sociedade entendeu as razões e os limites que estão por detrás da visão ocidental do casamento. Só faço esta nota para restringir o meu problema de análise e não por qualquer censura a outra moral cultural.
Perante isto, só entendo a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo devido às consequências sobre eventuais futuros filhos ou perante a evidência de que tal comportamento é manifestamente contrário à moral dominante.
Creio que a discussão sobre a adopção de filhos por casais do mesmo sexo está viciada à partida pois uma mulher lésbica pode ter filhos. Estamos aqui perante uma descriminação de sexo favorável à mulher, pois, que se saiba, até a data os homens não podem ter filhos, logo tem de adoptar. Ou seja, não podemos impedir que um casal de lésbicas tenha um filho/a mas não deixamos que um casal de homossexuais possa ter.
Mas deixemos a adopção de parte. E se os casais do mesmo sexo não quiserem ter filhos. Vamos descriminá-los face aos casais heterossexuais que não os têm? Porquê?
Qual é essa moral dominante, que eu não vejo em lado nenhum, que censura este tipo de casamentos?
É contra natura? E a agricultura, e a poluição, e a urbanização, e a ciência? São naturais de quem? Do ser humano? Pois com certeza. Como o é o casamento, pois até hoje, que se saiba, ninguém viu mais nenhum animal ou planta a casar.
Vai pôr em causa a sobrevivência da família? Lamento mas os factos têm vindo a demonstrar que o contrário, isto é, que a família consegue sobreviver às mutações sociais e, mesmo com divórcios, separações, e filhos de outros casamentos, o amor e o desejo de partilha são mais fortes e ultrapassam todas as barreiras.
Vai pôr em causa a sobrevivência da espécie? Como, se a população não para de aumentar? E a poluição também não está a pôr? E o armamento também não põe?
Por muito que eu pense, não vejo razão nenhuma para uma lei impedir o direito de escolha ao casamento a casais do mesmo sexo.
Ainda hoje penso que se um/a futuro/a filho/a meu/minha quisesse casar com alguém do mesmo sexo isso ir-me-ia perturbar um pouco, sobretudo porque isso punha em risco a possibilidade de eu vir a ter netos/as (egoísta…). Pois é, mas eu continuava a não ter nada a ver com isso. A decisão era deles/as.

andré

O sarilho em que estamos metidos

Este texto poderia chamar-se “a ironia do destino” mas, se assim o fosse, iria assumir que era a politica externa americana a única e principal responsável pelo estado das coisas, o que não me parece uma conclusão muito séria. A actual situação internacional que vivemos é um pouco mais complexa.

Anteontem sonhei que eu e a minha mãe estávamos a ver mísseis e caças a passar por cima da minha casa a caminho da guerra. A cena era calma embora a situação aparentemente não o fosse. Nesse mesmo dia tinha lido um texto de Niall Ferguson, um historiador de Harvard, sobre uma guerra mundial eminente.
O clima de incerteza que paira sobre as nossas cabeças exige, acho eu, um pouco de calma, e não propriamente uma visão incendiária sobre uma realidade difícil e com consequências muito imprevisíveis.
Convenhamos, hoje temos consciência de que não só um toque num botão pode iniciar a destruição do mundo como também estamos (eu, pelo menos, estou) convencido de que essa destruição não se iria resumir apenas às potencias dominantes pois, infelizmente (ou se calhar felizmente) há demasiada gente envolvida nesta salgalhada.

Vejamos então. Os americanos estão mesmo entalados com esta dupla frente de problemas, a eleição do Hamas para governar a Palestina e a insistência do Irão (agora mesmo confirmada no Jornal das 9 da Sic Notícias) em enriquecer Urânio.
Ambas as situações não só vão contra os interesses americanos como põem em causa uma das base de suporte da sua diplomacia, a luta pela democracia, talvez o argumento com maior amplitude de consenso e que simultaneamente melhor servia a protecção das suas acções.
A desordem deve-se quer ao unilateralismo americano quer à fraqueza da posição europeia no panorama internacional mas também se deve ao facto de a ordem mundial não ser já dominada por estes dois parceiros. Vejamos cada uma das situações.

A invasão do Irão não é uma opção quer pela má figura que os americanos fizeram no Iraque como pelo possível aumento da instabilidade na zona. Contudo a pressão sobre o Irão está a ser feita em conjunto pela UE, pelos EUA, pela Rússia e China, o que não aconteceu no Iraque e que parece provar que a ameaça é para ser levada a sério mas também que nem a Rússia nem a China estão interessados numa intervenção no Irão. Na realidade ninguém está interessado em abrir guerra com o Irão: a China porque precisa do petróleo iraniano, e o resto do mundo pela mesma razão. Com o aumento da procura do ouro negro é melhor pensar duas vezes antes de entrar em guerra com um dos seus produtores.
Por outro lado, a Rússia está mais organizada, quer no controlo do seu armamento mas sobretudo no controlo da sua economia e das instituições que a dominam e que o Kremlin tem vindo, pouco a pouco, a controlar.
Sobre a China não há muito mais a dizer. O seu crescimento económico está, por um lado, a tornar o mundo dependente das suas importações de matéria prima e, por outro, a inundá-lo com a sua produção de preços baratos. O peso da sua diplomacia estendeu-se a todo um conjunto de países onde compra sem fazer perguntas nem exigências democráticas.
Para ajudar à festa, a América Latina está a atravessar uma série de mudanças naquele que parece ser um caminho na direcção do aumento da sua independência politica face ao “amigo” americano. Como se não bastasse tudo isto, países como a Índia e o Brasil, com posicionamentos políticos distintos do ocidente começam gradualmente a aumentar o seu peso politico mundial.
Ora, creio que nada do que aqui se disse era verdadeiramente improvável, embora confesso que ainda me surpreende (e ainda bem) a crescente independência politica dos países da América latina. Ou seja, o mundo está finalmente a crescer ao nível politico, como que na direcção de uns Estados Unidos da Terra, onde todos se têm de entender e respeitar, o que só pode ser bom.

O facto de os EUA estarem na posição que estão hoje é que me preocupa pois demonstra uma insistente incompreensão e desrespeito pela história e seus ensinamentos, como se meia dúzia de mísseis e um punhado de dólares resolvessem todos os assuntos.
Desculpem se pareço suspeito, mas compreendo e aceito melhor o problema europeu, pois nem sempre existiu alinhamento entre os países europeus e, com o alargamento, abriram-se por ventura algumas feridas da segunda guerra, quando parte da Europa aceitou entregar aos russos a outra parte que agora quer acolher no seu seio. E, claro, há a Turquia. E aí a coisa complica-se ainda mais. Enfim… há que aceitar que as coisas não são faceis…

A minha revolta face aos Estados Unidos deve-se a eu ter dificuldade em aceitar o facto de que o pais que mais avançou na aplicação da democracia tenha tanta dificuldade em a pôr em prática fora das suas fronteiras. A incapacidade que as administrações americanas têm em aceitar as diferenças culturais é impressionante, tal como o é o facto de não terem entendido ainda que o poder só leva a um caminho, à destruição. Puxa, eu pensava que a trilogia do Senhor dos Anéis e os novos episódios da Guerra das Estrelas tinham esclarecido todas as dúvidas.

Desde há uns anos que vejo os EUA como um adolescente que se revoltou contra o pai. Pois ele passou a mandar no pai. E na família toda. Mas continua a ser adolescente.
Daí que compreendi (embora me custe muito dize-lo) a posição daqueles que ficaram do lado dos EUA na guerra do Iraque. Como compreendi os outros que estiveram contra, embora as atitudes da França tenham enfraquecido muito esta posição.
Que raio de imagem, um idoso a tentar convencer um adolescente…

Em conclusão, não creio que os americanos saiam deste sem ajuda, e isso vai-lhes custar muito. E aos europeus também porque vão de uma vez por todas ter de assumir um futuro sem a protecção dos EUA. Tal como acontecerá provavelmente com grande parte da sua população idosa, a Europa vai ter de começar a tentar ser autónoma. Difícil. Bem difícil. Autónoma, não independente. Creio que não países independentes hoje.

Uma última nota. Os europeus ocidentais não se vão safar desta atacando os países de leste e, em geral, os países em desenvolvimento e a sua mão de obra barata. Cada um tem direito de se safar e eles estão a fazer o melhor que sabem e podem.
Se calhar não fazia mal investirem um pouco do seu tempo a tentar perceber como é que se pode encontrar uma alternativa para este sistema capitalista e a sua produção inconsumivel que nos está a destruir os recursos naturais, a inundar de dívidas, e a agravar diferenças entre as pessoas.
Mas isso só vai acontecer quando os europeus perderem parte do seu conforto. Aí, juntamente com os americanos, talvez se lembrem o que história lhes ensinou: para estarmos em paz, é melhor ceder parte do que temos a um vizinho que não gostamos, e assim garantir a paz, do que tentar fazer com que ele faça sistematicamente aquilo que nós queremos, e ganhar uma guerra contra ele.

andré