Terá mesmo de ser?
«O pesadelo burocrático e a desobediência à lei
11.11.2008 - 16h20, por Aires Almeida *
“O facto de os cidadãos estarem em geral dispostos a recorrer à
desobediência civil justificada é um elemento de estabilidade numa
sociedade bem ordenada, ou seja, quase justa” John Rawls, Uma Teoria da Justiça
Tenho 48 anos e sou professor do ensino secundário há quase 26. Sou
professor titular de Filosofia, não estou sindicalizado, não me recordo
de ter faltado ao trabalho, mesmo em dias de greve, e não costumo
participar em manifestações – nem sequer participei nas duas últimas
grandes manifestações de professores, se bem que tenha pena de não o
ter podido fazer. Nunca me passou pela cabeça ter outra actividade
profissional, mesmo ganhando mais do que os 1850 euros que, após todos
estes anos, recebo no final do mês.
Sei que para ensinar bem os meus alunos tenho de continuar a estudar,
a ler e a aprender. Como costuma dizer um amigo meu, Desidério Murcho,
para se ensinar bem até à letra C é preciso dominar as matérias até
pelo menos à letra M: é preciso um grande à vontade e um bom domínio do
que se ensina para se antecipar dificuldades dos alunos, para se
responder a dúvidas inesperadas, para se encontrar o exemplo certeiro,
para indicar as leituras adequadas, etc. Isto exige uma grande
preparação e uma actualização permanente do professor, além de um
ambiente de trabalho tranquilo e estimulante. Até porque são as
deficiências científicas que originam, na maior parte da vezes, as
situações pedagogicamente mais desagradáveis.
Infelizmente, os escassos estímulos que ainda poderiam existir nesse
sentido parecem pertencer ao passado. As escolas transformaram-se, de
há dois anos para cá, numa balbúrdia constante e num verdadeiro
pesadelo burocrático em que ninguém parece entender-se. E, com muita
tristeza minha, vejo os livros de filosofia que todas as semanas
encomendo na Amazon ou outras livrarias acumular-se sem quase ter tempo
para os folhear. Preparar aulas decentemente é algo que também deixei
de fazer, caso contrário nem sequer vida familiar poderia ter. Não
fosse o caso de os alunos estudarem por um manual que conheço de cor –
porque sou um dos seus autores – e as aulas seriam um completo
improviso. Comparar o que se tem passado nas escolas nos últimos dois
anos com a barafunda gerada com o atraso da colocação de professores no
tempo do ministro David Justino é como comparar um episódio infeliz com
a própria infelicidade. E o ministro David Justino caiu por causa
disso.
Creio poder dizer, sem qualquer exagero nem arrogância, que conheço
melhor do que a senhora ministra o que se passa nas escolas, pois há 25
anos que passo a maior parte da minha vida nelas. Ora, nunca, mas mesmo
nunca, houve tanta confusão e um ambiente tão pouco adequado ao ensino
e à aprendizagem como o que se verifica actualmente.
Perguntar-se-á: o que ando então a fazer o tempo todo para deixar de
preparar as minhas aulas como deve ser? A resposta poderia ser dada até
pelo meu filho, apesar de ainda ser criança: além das aulas, passo os
dias em reuniões intermináveis para entender o sentido do terrorismo
legislativo com que se tolhem e intimidam os professores. Na verdade
são muito mais as horas que tenho gasto a reunir por causa da avaliação
do que com aulas. E o pior ainda nem sequer chegou. Como avaliador de
oito colegas, terei de inventar mais 36 horas para assistir a aulas
suas, além das reuniões preparatórias que tenho de fazer com cada um
deles e dos quilos de papelada para preencher. De resto, na minha
escola os professores irão passar o ano a assistir às aulas uns dos
outros, pois somos 165 professores, o que dá cerca de 500 aulas
assistidas por ano. Além disso, terei de preparar tudo para o meu
avaliador – um colega de Economia que não tem culpa de nada e que fará
certamente o seu melhor – poder assistir às minhas aulas de Filosofia.
Que o novo modelo de avaliação é inútil e ineficaz já o provou
definitivamente, sem o querer, a senhora ministra. Diz ela
repetidamente que esta avaliação é absolutamente necessária para a
qualidade do ensino e para a melhoria dos resultados. Porém, anunciou
com grande pompa ao país que os resultados melhoraram no último ano, o
que acabou por ser reforçado com a divulgação dos resultados dos exames
nacionais. Só que esta apregoada melhoria da qualidade e dos resultados
verificou-se ainda antes de o modelo de avaliação produzir qualquer
efeito. Logo, fica provado que a avaliação não é uma condição
necessária para a melhoria da qualidade e dos resultados. O que leva
então a ministra a dizer que a avaliação é absolutamente necessária?
Os responsáveis pelo actual ministério da educação parecem, talvez
inconscientemente, querer pôr em prática o cenário tenebroso descrito
por George Orwell em "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro", em que a
catadupa de despachos, decretos regulamentares, documentos
orientadores, ordens de serviço, instruções superiores, recomendações,
etc., frequentemente incoerentes – vale a pena dizer que acumulo em
casa mais de mil fotocópias sobre avaliação, que me foram entregues na
escola –, são a tradução quase literal do "Big Brother is watching you"
da 5 de Outubro. A obsessão do ministério por controlar tudo e todos
até ao mais pequeno detalhe está bem patente no modelo de fichas de
avaliação que impõe às escolas e aos professores (parece que a ideia é
a de que, entre tanta coisa pedagogicamente inane, sempre há-de haver
uns quantos aspectos em que o avaliado vai falhar, de modo a não
atrapalhar as escassas cotas disponíveis para progressão na carreira).
E o mais irónico é que, quando se encontram incoerências e impasses nas
instruções oriundas do ministério, a ministra deixa o problema para as
próprias escolas com o argumento de que lhes quer dar autonomia na
construção dos seus instrumentos de avaliação. Não é, pois,
surpreendente que os professores se sintam desorientados, cansados,
chantageados e até insultados. Isso acaba naturalmente por se reflectir
na sua prática lectiva e os alunos notam bem a diferença quando o
professor dá as aulas cansado.
Mas o pior de tudo é que o modelo de avaliação fabricado na 5 de
Outubro não vai permitir distinguir os bons dos maus professores, ao
contrário do que a senhora ministra alega. Talvez seja até pior do que
a completa ausência de avaliação, premiando arbitrariamente alguns dos
maus e castigando cegamente muitos dos bons. Se assim não fosse, que
razões teriam os bons professores que desfilaram na manifestação de
sábado para lá estarem? Ou será que os mais de cem mil são todos maus
ou simplesmente estúpidos? Os professores sentem-se compreensivelmente
ameaçados porque o modelo, além de burocrático, como convém ao Big
Brother, obedece a uma espécie de pensamento único pedagógico: há um
dogma pedagógico subjacente a que todos têm de aderir, tal como se
emanasse do Ministério da Verdade orwelliano. Esse dogma é o da
pedagogia do eduquês: são os resultados a qualquer preço, é a inovação
a martelo, são as “estratégias de ensino-aprendizagem” como se o
professor fosse o aprendiz (também o é, mas noutro sentido). Enfim, é a
avaliação do portfólio e dossiê do professor para ver se ele tem o seu
caderno diário em ordem, infantilizando uma actividade em que, pelo
contrário, se exige autonomia e auto-confiança.
De resto, não é preciso muita atenção para ser confrontado com essa
novilíngua do eduquês que, de há muitos anos para cá, tem caracterizado
o Ministério da Verdade. Só que agora passou a ter uma força imparável,
pois vai ser a destreza no uso dessa novilíngua a determinar se o
professor é dos bons ou dos maus. Esta é, sem dúvida, a avaliação do
pior eduquês em todo o seu esplendor. É um enorme passo para a asfixia
intelectual dos professores e para a sua menoridade profissional. E é a
negação da desejável diversidade pedagógica, transformando os
professores em meros instrumentos de uma cadeia de produção em série e
impedindo os alunos de se enriquecer no contacto com diferentes estilos
e metodologias.
Mas o que realmente importa no desempenho do professor é, respeitando
os alunos e os seus direitos, ensinar-lhes e ajudá-los a aprender o que
é suposto aprenderem, recorrendo às concepções pedagógicas que muito
bem se entender. É relativamente fácil apurar se o professor soube
realmente ensinar e se os alunos conseguiram realmente aprender,
independentemente da metodologia usada e das concepções pedagógicas em
jogo, desde que os seus alunos realizem no final do percurso exames bem
concebidos. E se se ponderarem os resultados dos exames comparando-os
com a média de cada disciplina nas respectivas escolas, estamos muito
próximos de um sistema de avaliação muito mais justo, simples, eficaz e
dignificante para todos. Claro que para isso era preciso haver mais
exames, além de melhores programas e de mais formação de professores,
coisas que não parecem interessar minimamente a senhora ministra.
Assim, tudo indica que quando a senhora ministra afirma
totalitariamente que ou se aplica o seu modelo ou não há outro, só pode
estar a fazer chantagem, o termo que utiliza para descrever o
comportamento dos sindicatos junto dos professores, como se os
professores fossem idiotas. A verdade é que neste momento já não são os
sindicatos a comandar os professores, mas os professores a empurrar os
sindicatos, de tal modo que os próprios sindicatos já não estão em
condições de cumprir o acordo assinado há meses com o ministério. De
nada serve, portanto, ao primeiro-ministro apontar o dedo ao
incumprimento dos sindicatos. Se estes tivessem representado
devidamente os professores, nunca teriam de voltar agora atrás com a
palavra. Por isso, não vale a pena recorrer a fantasias e negar uma
realidade muito crua: a insistência do governo no actual modelo está a
degradar como nunca o sistema educativo nacional e a pôr em causa o
normal funcionamento das escolas. E esta ministra ficará seguramente na
história como a maior desgraça que se abateu nos últimos tempos sobre a
educação em Portugal. Isso só ainda não é mais notório porque os
efeitos das políticas educativas só se tornam evidentes passados vários
anos. Por isso é arrepiante ver a senhora ministra insistir – contra
tudo e contra todos os que, em Portugal, já alguma vez revelaram
interesse pelas questões da educação – numa teimosia própria de mentes
obstinadas e dogmáticas. E é também por isso um imperativo de justiça
desobedecer a esta lei arbitrária e injusta, sobre uma questão de tão
grande importância. Chama-se a isto desobediência civil e foi isso que
fizeram em diferentes circunstâncias Gandi, Luther King, Bertrand
Russell e muitas das referências cívicas e culturais do nosso mundo. É
ilegítimo não cumprir a lei, diz a senhora ministra sem se aperceber
que está a ser redundante. Pois é, é ilegítimo não obedecer à senhora
ministra, pois foi ela que fez a lei. Mas terá mesmo de ser.
*Professor titular de Filosofia da Escola Secundária Manuel Teixeira
Gomes, de Portimão»
11.11.2008 - 16h20, por Aires Almeida *
“O facto de os cidadãos estarem em geral dispostos a recorrer à
desobediência civil justificada é um elemento de estabilidade numa
sociedade bem ordenada, ou seja, quase justa” John Rawls, Uma Teoria da Justiça
Tenho 48 anos e sou professor do ensino secundário há quase 26. Sou
professor titular de Filosofia, não estou sindicalizado, não me recordo
de ter faltado ao trabalho, mesmo em dias de greve, e não costumo
participar em manifestações – nem sequer participei nas duas últimas
grandes manifestações de professores, se bem que tenha pena de não o
ter podido fazer. Nunca me passou pela cabeça ter outra actividade
profissional, mesmo ganhando mais do que os 1850 euros que, após todos
estes anos, recebo no final do mês.
Sei que para ensinar bem os meus alunos tenho de continuar a estudar,
a ler e a aprender. Como costuma dizer um amigo meu, Desidério Murcho,
para se ensinar bem até à letra C é preciso dominar as matérias até
pelo menos à letra M: é preciso um grande à vontade e um bom domínio do
que se ensina para se antecipar dificuldades dos alunos, para se
responder a dúvidas inesperadas, para se encontrar o exemplo certeiro,
para indicar as leituras adequadas, etc. Isto exige uma grande
preparação e uma actualização permanente do professor, além de um
ambiente de trabalho tranquilo e estimulante. Até porque são as
deficiências científicas que originam, na maior parte da vezes, as
situações pedagogicamente mais desagradáveis.
Infelizmente, os escassos estímulos que ainda poderiam existir nesse
sentido parecem pertencer ao passado. As escolas transformaram-se, de
há dois anos para cá, numa balbúrdia constante e num verdadeiro
pesadelo burocrático em que ninguém parece entender-se. E, com muita
tristeza minha, vejo os livros de filosofia que todas as semanas
encomendo na Amazon ou outras livrarias acumular-se sem quase ter tempo
para os folhear. Preparar aulas decentemente é algo que também deixei
de fazer, caso contrário nem sequer vida familiar poderia ter. Não
fosse o caso de os alunos estudarem por um manual que conheço de cor –
porque sou um dos seus autores – e as aulas seriam um completo
improviso. Comparar o que se tem passado nas escolas nos últimos dois
anos com a barafunda gerada com o atraso da colocação de professores no
tempo do ministro David Justino é como comparar um episódio infeliz com
a própria infelicidade. E o ministro David Justino caiu por causa
disso.
Creio poder dizer, sem qualquer exagero nem arrogância, que conheço
melhor do que a senhora ministra o que se passa nas escolas, pois há 25
anos que passo a maior parte da minha vida nelas. Ora, nunca, mas mesmo
nunca, houve tanta confusão e um ambiente tão pouco adequado ao ensino
e à aprendizagem como o que se verifica actualmente.
Perguntar-se-á: o que ando então a fazer o tempo todo para deixar de
preparar as minhas aulas como deve ser? A resposta poderia ser dada até
pelo meu filho, apesar de ainda ser criança: além das aulas, passo os
dias em reuniões intermináveis para entender o sentido do terrorismo
legislativo com que se tolhem e intimidam os professores. Na verdade
são muito mais as horas que tenho gasto a reunir por causa da avaliação
do que com aulas. E o pior ainda nem sequer chegou. Como avaliador de
oito colegas, terei de inventar mais 36 horas para assistir a aulas
suas, além das reuniões preparatórias que tenho de fazer com cada um
deles e dos quilos de papelada para preencher. De resto, na minha
escola os professores irão passar o ano a assistir às aulas uns dos
outros, pois somos 165 professores, o que dá cerca de 500 aulas
assistidas por ano. Além disso, terei de preparar tudo para o meu
avaliador – um colega de Economia que não tem culpa de nada e que fará
certamente o seu melhor – poder assistir às minhas aulas de Filosofia.
Que o novo modelo de avaliação é inútil e ineficaz já o provou
definitivamente, sem o querer, a senhora ministra. Diz ela
repetidamente que esta avaliação é absolutamente necessária para a
qualidade do ensino e para a melhoria dos resultados. Porém, anunciou
com grande pompa ao país que os resultados melhoraram no último ano, o
que acabou por ser reforçado com a divulgação dos resultados dos exames
nacionais. Só que esta apregoada melhoria da qualidade e dos resultados
verificou-se ainda antes de o modelo de avaliação produzir qualquer
efeito. Logo, fica provado que a avaliação não é uma condição
necessária para a melhoria da qualidade e dos resultados. O que leva
então a ministra a dizer que a avaliação é absolutamente necessária?
Os responsáveis pelo actual ministério da educação parecem, talvez
inconscientemente, querer pôr em prática o cenário tenebroso descrito
por George Orwell em "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro", em que a
catadupa de despachos, decretos regulamentares, documentos
orientadores, ordens de serviço, instruções superiores, recomendações,
etc., frequentemente incoerentes – vale a pena dizer que acumulo em
casa mais de mil fotocópias sobre avaliação, que me foram entregues na
escola –, são a tradução quase literal do "Big Brother is watching you"
da 5 de Outubro. A obsessão do ministério por controlar tudo e todos
até ao mais pequeno detalhe está bem patente no modelo de fichas de
avaliação que impõe às escolas e aos professores (parece que a ideia é
a de que, entre tanta coisa pedagogicamente inane, sempre há-de haver
uns quantos aspectos em que o avaliado vai falhar, de modo a não
atrapalhar as escassas cotas disponíveis para progressão na carreira).
E o mais irónico é que, quando se encontram incoerências e impasses nas
instruções oriundas do ministério, a ministra deixa o problema para as
próprias escolas com o argumento de que lhes quer dar autonomia na
construção dos seus instrumentos de avaliação. Não é, pois,
surpreendente que os professores se sintam desorientados, cansados,
chantageados e até insultados. Isso acaba naturalmente por se reflectir
na sua prática lectiva e os alunos notam bem a diferença quando o
professor dá as aulas cansado.
Mas o pior de tudo é que o modelo de avaliação fabricado na 5 de
Outubro não vai permitir distinguir os bons dos maus professores, ao
contrário do que a senhora ministra alega. Talvez seja até pior do que
a completa ausência de avaliação, premiando arbitrariamente alguns dos
maus e castigando cegamente muitos dos bons. Se assim não fosse, que
razões teriam os bons professores que desfilaram na manifestação de
sábado para lá estarem? Ou será que os mais de cem mil são todos maus
ou simplesmente estúpidos? Os professores sentem-se compreensivelmente
ameaçados porque o modelo, além de burocrático, como convém ao Big
Brother, obedece a uma espécie de pensamento único pedagógico: há um
dogma pedagógico subjacente a que todos têm de aderir, tal como se
emanasse do Ministério da Verdade orwelliano. Esse dogma é o da
pedagogia do eduquês: são os resultados a qualquer preço, é a inovação
a martelo, são as “estratégias de ensino-aprendizagem” como se o
professor fosse o aprendiz (também o é, mas noutro sentido). Enfim, é a
avaliação do portfólio e dossiê do professor para ver se ele tem o seu
caderno diário em ordem, infantilizando uma actividade em que, pelo
contrário, se exige autonomia e auto-confiança.
De resto, não é preciso muita atenção para ser confrontado com essa
novilíngua do eduquês que, de há muitos anos para cá, tem caracterizado
o Ministério da Verdade. Só que agora passou a ter uma força imparável,
pois vai ser a destreza no uso dessa novilíngua a determinar se o
professor é dos bons ou dos maus. Esta é, sem dúvida, a avaliação do
pior eduquês em todo o seu esplendor. É um enorme passo para a asfixia
intelectual dos professores e para a sua menoridade profissional. E é a
negação da desejável diversidade pedagógica, transformando os
professores em meros instrumentos de uma cadeia de produção em série e
impedindo os alunos de se enriquecer no contacto com diferentes estilos
e metodologias.
Mas o que realmente importa no desempenho do professor é, respeitando
os alunos e os seus direitos, ensinar-lhes e ajudá-los a aprender o que
é suposto aprenderem, recorrendo às concepções pedagógicas que muito
bem se entender. É relativamente fácil apurar se o professor soube
realmente ensinar e se os alunos conseguiram realmente aprender,
independentemente da metodologia usada e das concepções pedagógicas em
jogo, desde que os seus alunos realizem no final do percurso exames bem
concebidos. E se se ponderarem os resultados dos exames comparando-os
com a média de cada disciplina nas respectivas escolas, estamos muito
próximos de um sistema de avaliação muito mais justo, simples, eficaz e
dignificante para todos. Claro que para isso era preciso haver mais
exames, além de melhores programas e de mais formação de professores,
coisas que não parecem interessar minimamente a senhora ministra.
Assim, tudo indica que quando a senhora ministra afirma
totalitariamente que ou se aplica o seu modelo ou não há outro, só pode
estar a fazer chantagem, o termo que utiliza para descrever o
comportamento dos sindicatos junto dos professores, como se os
professores fossem idiotas. A verdade é que neste momento já não são os
sindicatos a comandar os professores, mas os professores a empurrar os
sindicatos, de tal modo que os próprios sindicatos já não estão em
condições de cumprir o acordo assinado há meses com o ministério. De
nada serve, portanto, ao primeiro-ministro apontar o dedo ao
incumprimento dos sindicatos. Se estes tivessem representado
devidamente os professores, nunca teriam de voltar agora atrás com a
palavra. Por isso, não vale a pena recorrer a fantasias e negar uma
realidade muito crua: a insistência do governo no actual modelo está a
degradar como nunca o sistema educativo nacional e a pôr em causa o
normal funcionamento das escolas. E esta ministra ficará seguramente na
história como a maior desgraça que se abateu nos últimos tempos sobre a
educação em Portugal. Isso só ainda não é mais notório porque os
efeitos das políticas educativas só se tornam evidentes passados vários
anos. Por isso é arrepiante ver a senhora ministra insistir – contra
tudo e contra todos os que, em Portugal, já alguma vez revelaram
interesse pelas questões da educação – numa teimosia própria de mentes
obstinadas e dogmáticas. E é também por isso um imperativo de justiça
desobedecer a esta lei arbitrária e injusta, sobre uma questão de tão
grande importância. Chama-se a isto desobediência civil e foi isso que
fizeram em diferentes circunstâncias Gandi, Luther King, Bertrand
Russell e muitas das referências cívicas e culturais do nosso mundo. É
ilegítimo não cumprir a lei, diz a senhora ministra sem se aperceber
que está a ser redundante. Pois é, é ilegítimo não obedecer à senhora
ministra, pois foi ela que fez a lei. Mas terá mesmo de ser.
*Professor titular de Filosofia da Escola Secundária Manuel Teixeira
Gomes, de Portimão»
Terá mesmo de ser? Ainda não estou convencida. Para mostrar que um modelo é ineficaz, há que cumpri-lo até à exaustão e implosão.
E não me venham com greves. Só servem para dar razão à opinião pública de que trabalhamos pouco ou não queremos trabalhar, para além de serem eticamente inaceitáveis.
evva (recebido por mail)
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