segunda-feira, maio 29, 2006

A Parada

Casa paterna, almoço dominical. O meu avô, homem de esquerda dos cinco costados, inquire a mesa:
- A que horas é a Parada?
- ...?
- Que Parada, Paizinho?, interroga meu pai.
- Então hoje não é 28 de Maio?! E não costuma haver uma grande Parada?
- Mas isso era no tempo do Salazar. Depois do 25 de Abril deixou de haver Paradas..., vociferou o filho impaciente.
Lá tentei explicar calmamente que a 28 de Maio se comemorava a sublevação que pôs fim à I República de má memória e o início do regime a que se chamou Estado Novo. Não sei se terá ficado convencido com o actual esvaziamento de sentido do 28 de Maio, mas pus-me a pensar se este ténue primeiro sinal de uma memória confusa num homem que foi entusiasticamente receber Humberto Delgado à estação na sua vinda ao Porto durante a campanha eleitoral de 1958 (não porque o General participara no golpe militar de 28 de Maio de 1926, mas pelo que representava de oposição a um regime que acusava já profundos sinais de desgaste), um homem que sempre votou à esquerda no pós-25 de Abril e sempre votará, se tudo isto não significará algo mais profundo. Sabe-se que a velhice só não traz uma diminuição da lucidez a uns tantos quantos felizardos e que normalmente os que vão perdendo essa capacidade nunca apagam da memória os momentos felizes da juventude e que gastam a eternidade do tempo que lhes resta a obsessiva e reiteradamente evocá-los. O meu avô paterno não guardará decerto muito boas recordações do Estado Novo, creio, mas aquela Parada e o que ela significará na sua memória far-lhe-ão provavelmente algum sentido, na degradação dos dias que correm.

evva

Adenda: ainda sobre o 28 de Maio, ler este post.

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