Um texto notável
Por motivos profissionais, há pouco passei algum tempo no Oberoi Mumbai - um dos hotéis visados pelos terroristas ontem. Na ponta de uma enorme baía tem uma vista impressionante para o mar e estrada marginal de uma das cidades mais intrigantes que conheci. Marginal onde, com um colega brasileiro passeei imenso ao sabor da maresia, conversas sem destino e encontros inusitados. Não é possível passear em Mumbai sem ser interpelado - a miséria na Índia tem uma dimensão impensável para espíritos ocidentais e está sempre presente.
Mumbai, Bombaim, a cidade rebaptizada (com um nome de origem hindu) pelos nacionalistas hindus do BJP é um dos sítios mais perturbantes que já tive o prazer de pisar. Dizer que é um local de contrastes é exagerar de um eufemismo.
Cidade aberta ao mundo, fundada por portugueses, lugar da Gateway to India, espectacular monumento do tempo imperial britânico que celebra a visita do imperador. Caleidoscópio de néons dos últimos sucessos de Bollywood ou do último grito dos produtos de consumo, acolhedor lar de incontáveis start-ups, de empreendedores, financeiros, visionários, vigaristas, intelectuais, artistas, negociantes e oportunistas. Centro de comércio permanente. 24 horas por dia.
Burgo arrogante na sua vibração de pináculo da nova economia indiana. Metrópole que contém a indescritível (por incapacidade das palavras) vergonha de Dharavi, o maior bairro de lata da Ásia, onde vivem cerca de 2,5 milhões de seres humanos. Dharavi que, depois do tempo lá passado, nunca mais me saiu da cabeça. Um festim de vida e apatia ou (talvez melhor) resistência. Ruas que não merecem o nome de becos. Uma caso de emergência de higiene e de salubridade. Imagens, sons, cheiros, risos, silêncios, correrias, choros, sorrisos embaraçados de quem se esforça por ser um bom anfitrião contra todas as possibilidades ou o ar alienado de quem sabe que a miséria é quase um destino (o perverso sistema de castas ainda funciona de forma muito eficiente, na prática ao arrepio da democrática e igualitária constituição indiana). Tudo isso estranha-se. Muito. Mas, acreditem, entranha-se. Para sempre. Em Dharavi, como em toda a Mumbai, há muçulmanos, hindus, cristãos, judeus, xintoístas, ateus e agnósticos.
Como os há no Leopold, um café de ar colonial preenchido e vivido por um indiano caos e uma mundana vivacidade. Um espaço de encontros fugazes mas interessantes entre locais, turistas e demais gente de passagem. Gente de todo o lado. Um daqueles poisos onde um estranho se sente imediatamente em casa. Talvez por isso tenha sido o primeiro local atacado pelos bárbaros.
Mumbai, Bombaim é uma cidade fascinante. Cosmopolita. Afável e estranha. Acolhedora e dura. Como o resto da Índia é um festival de cores, vida e alegria, de insensibilidade, decepção e choque. Uma construção humana que nunca saíria da cabeça do mais inspirado dos planeadores. Fruto da ambição humana, da atracção da polis e da sedimentação da História. Espaço de possibilidades infinitas e terreno fértil para a resignação. Mosaico da Índia que foi e ainda é. Símbolo da Índia que quer, pode e deveria ser. Morada do desespero. Hino de esperança.
Os fanáticos sabem muito bem onde atacar.
NMP»
evva
6 comentários:
O que quererá dizer exactamente "os fanáticos não sabem muito bem onde atacar"?
Sónia
Dear,
read again, please.
evva
Ufa que alívio...!! A Ministra tem razão para desconfiar: andamos tão cansados que é muito provável que façamos leituras erradas...
sem querer fazer juizos de valor...mas já a fazer..
tanto post aqui metido e tu sem tempo para um telefonema ou visita. e já lá vão 2 meses....
O comentário era para quem? Eu bem que te tentei ligar no outro dia...
Sónia
O comentário era para mim.
evva
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